Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 08-10-2008
 Tráfico de estupefacientes agravado Colaboração de menores ou de diminuídos psíquicos Princípio da proporcionalidade Princípio da proibição do excesso Princípio da culpa Competência do Supremo Tribunal de Justiça Medida da pena Duplo grau de jurisd
I -No caso da al. b) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, o crime é agravado se as substâncias ou preparações forem distribuídos por grande número de pessoas: trata-se de um conceito indeterminado utilizado pelo legislador, tradutor de um aumento da ilicitude da actividade delituosa, por isso sendo considerado agravante especial; o seu preenchimento está dependente da análise casuística a que o julgador tem de proceder, devendo ser feita distinção entre os casos em que a venda é feita ao toxicodependente-consumidor, relativamente à qual deve ser dado especial relevo ao número de pessoas que busca o abastecimento, exigindo-se uma quantificação mais alargada, sendo através da repetição de actos de venda de pequenas quantidades que se cumpre o objectivo visado pela agravante, e aqueles outros casos em que a distribuição é feita pelo grande traficante ao revendedor, em que deverá atender-se especialmente à quantidade de droga transaccionada, de sorte que, embora seja menor o número de compradores, o conceito vem a ser preenchido pelo destino final que as referidas quantidades proporcionam – Ac. de 18-12-2002, Proc. n.º 3217/02.
II - A agravante qualificativa prevista na al. i) do art. 24.º – colaboração de menores ou de diminuídos psíquicos –, tem origem na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, assinada em 1988 e que Portugal ratificou em 1991; aí se refere que as Partes Contratantes se encontravam “profundamente preocupadas com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes (…) e, em particular, com a utilização de crianças em várias regiões do mundo como mercado de consumo e para fins de produção, distribuição e comércio ilícito (…), o que constitui um perigo de gravidade incalculável”.
III - O exórdio da Convenção permite inferir que o compromisso de considerar circunstância factual agravativa das infracções a utilização de menores nos actos de produção, distribuição e comércio de estupefacientes resulta da apreensão das Partes Contratantes desse fenómeno, do reconhecimento das consequências sociais que o tráfico de estupefacientes provoca, procurando evitar que a danosidade social tenha consequência nas camadas jovens.
IV - O princípio da proporcionalidade, com expressão no art. 18.º, n.º 2, da Constituição, respeita essencialmente às restrições aos direitos, liberdades e garantias, tendo, em direito penal, especial aplicação às medidas de segurança: neste campo, o princípio significa apenas uma proibição do excesso no tempo de duração da medida, não substituindo o princípio da culpa, este sim com um efeito limitador da pena que não pode ser alcançado por nenhum outro.
V - É entendimento do Supremo que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou a à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada.
VI - Se, como sucede no presente caso, o recurso é de decisão da Relação, está já garantido um segundo grau de jurisdição na concretização do direito ao recurso, pelo que o Supremo Tribunal apenas deve verificar se o processo de determinação da medida da pena se apresenta, ou não, com motivos dignos de censura.
VII - Na aplicação do regime penal para jovens, a jurisprudência divide-se entre uma corrente mais restritiva que entende que a atenuação especial da pena só deve ter lugar, quando for possível concluir pela existência duma objectiva vantagem dessa atenuação para a ressocialização do arguido e uma outra que, numa visão mais humanista, tem afirmado que a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 deve ser tida como regra, só não havendo lugar à atenuação extraordinária quando sérias razões levem a crer que tal medida não vai facilitar a ressocialização do jovem delinquente. Se é verdade que a primeira interpretação colhe sugestivo apoio na letra do texto legal, todavia, a leitura do preâmbulo do diploma, que constitui um elemento interpretativo de grande alcance, favorece a interpretação mais abrangente, a qual, contudo, jamais pode desproteger os interesses fundamentais da comunidade.
VIII - Nos crimes de tráfico de estupefacientes as razões de prevenção geral só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição: os efeitos nocivos para a saúde resultantes do tráfico, especialmente quando se trata de drogas duras, e as situações em que os actos de venda se prolongam no tempo e/ou atingem um elevado número de pessoas, despertam um sentimento de reprovação social do crime, que impedem a aplicação da suspensão da execução da pena, sob pena de ser posta em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
IX - É jurisprudência constante do STJ a de que os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, porque relativos à matéria de facto, não podem servir de fundamento do recurso de revista, apenas podendo o Supremo declarar oficiosamente a sua existência, quando lhe não seja possível tomar uma decisão sobre a questão de direito, em virtude de a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, ou se fundar em erro de apreciação, ou estar assente em premissas contraditórias.
X - O recorrente teve oportunidade, e utilizou-a, para suscitar perante a Relação as questões respeitantes à matéria de facto, v.g., a existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, als. a) e c); a Relação apreciou tais questões com minúcia, tendo concluído pela não verificação dos referidos vícios. Resolvida ficou definitivamente tal matéria, não podendo o arguido de novo suscitá-la perante o STJ.
XI - Não tendo o tribunal conseguido averiguar com mais pormenor a extensão da actividade do agente, tendo ficado pela indicação genérica que constava da acusação, a dúvida deve beneficiar o arguido, em consequência do que se deve considerar a ilicitude do facto consideravelmente diminuída relativamente ao crime matricial, subsumindo-se tal actividade no crime do art. 25.º do DL 15/93.
Proc. n.º 589/08 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Souto Moura António Colaço Soares Ramos