Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 29-10-2008
 Violação Cópula Coito anal Coita oral Abuso sexual de crianças Consumação Tentativa Crime continuado Regime penal especial para jovens
I -Materialmente, a violação é um caso especial de coacção sexual em que o acto sexual de relevo pode ser a cópula, o coito anal ou o coito oral.
II - O facto de o crime de violação englobar agora, também, os actos de penetração anal e oral não desvirtua a noção de cópula. Cópula continuará a ser entendida como resultado de uma relação heterossexual de conjugação carnal entre órgãos sexuais masculinos e femininos, que, como tal, exige sempre a introdução completa ou incompleta do órgão sexual masculino na vagina, o que afasta a equiparação com a chamada cópula vestibular ou vulvar.
III - À cópula são equiparados tipicamente, para efeitos do crime do art. 164.° do CP, o coito anal e o coito oral. Também por esta razão – porque afinal a violação exige sempre a intervenção do órgão sexual masculino – se deve dizer que é a natureza puramente física do contacto que especializa este crime face ao de coacção sexual.
IV - Assim, dúvidas não existem de que o arguido que obriga um menor a praticar coito oral pratica um crime de violação.
V - Quando os actos sexuais praticados consubstanciam a tentativa de violação e um crime de coacção sexual, a grande diferença entre uma situação e outra é a intenção do agente ligada ao crime de violação, que será a de praticar cópula, coito anal ou coito oral. Mas em ambas as situações o agente pratica estes actos sem conseguir que a vítima sofra ou pratique cópula, coito anal ou coito oral. Em abstracto, a tentativa de violação é punida de forma menos grave que a coacção sexual consumada, inexistindo razões para que se dê nesta hipótese prevalência ao crime de violação, tanto mais que o crime de coacção sexual funciona aqui como tipo fundamental (consunção impura). Ao menos em via de princípio deverá o agente ser punido pela coacção sexual consumada.
VI - É, pois, de concluir que o arguido que procura, não o conseguindo por circunstâncias alheias à sua vontade, ter relações de coito anal com um menor deve ser punido pela prática de um crime consumado de coacção sexual.
VII - Pressuposto da continuação criminosa é, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comportasse de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
VIII - Entre as situações exteriores típicas que, preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, diminuem consideravelmente o grau de culpa do agente podemos destacar aquelas em que se verificam as seguintes circunstâncias: -ter-se criado, através da primeira actividade criminosa, uma certa relação de acordo entre os sujeitos; -voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa; -perdurar o meio apto para executar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa; -verificar o agente, depois de executar a resolução que tomara, que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da actividade criminosa.
IX - Em qualquer uma de tais situações, e de outras que mereçam o mesmo tratamento, existe um denominador comum: a diminuição considerável da culpa do agente. Porém, não basta qualquer solicitação exterior; é necessário, por um lado, que ela facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa e, por outro, que a situação exterior que facilite a prática do crime não seja normal, ou geral, pois com estas deve justamente o agente contar para modelar a sua personalidade de maneira a permanecer fiel aos comandos jurídicos.
X - Resultando da factualidade assente que: -o arguido, cerca de três meses antes de Junho de 2007, numa ocasião em que deu boleia ao menor JP, ordenou-lhe que baixasse as calças e as cuecas e, como o mesmo recusou, começou a puxar estas peças de vestuário para baixo, enquanto o JP, opondo-se a tal pretensão, as segurava e puxava em sentido contrário, para cima. Conseguindo vencer a resistência do menor e desnudá-lo da cintura para baixo, levou o JP a colocar-se de cócoras sobre o assento traseiro do veículo e de costas voltadas para si e encostou o seu pénis erecto ao ânus do menor, mas não prosseguiu, nem concretizou a penetração. O arguido ainda disse ao JP para lhe chupar o pénis erecto, o que este recusou, tendo-se vestido. Antes de iniciar a marcha até casa do menor, o arguido colocou o seu pénis erecto fora das calças e ordenou ao JP que o masturbasse, pelo que este, durante o trajecto efectuado, manipulou o pénis erecto do arguido, realizando movimentos para cima e para baixo com as mãos enquanto aquele conduzia o automóvel, sem contudo ter ocorrido ejaculação. O arguido advertiu o JP para não dizer nada a ninguém, sob pena de lhe dar bofetadas, razão pela qual o menor, receando vir a ser agredido corporalmente, nada contou aos pais; -no dia 01-05-2007, numa ocasião em que deu boleia aos menores JP e HC, apesar da resistência do JP, o arguido puxou as calças e as cuecas do menor, descendo-as até aos joelhos, após o que lhe colocou o pénis erecto encostado ao ânus, tendo em vista a penetração anal, que não concretizou atenta a fuga do HC e os seus pedidos de ajuda. O arguido reiniciou a marcha do veículo, vindo a parar num arruamento mais à frente, onde veio a introduzir o seu pénis erecto na boca do menor JP, movimentando-o no seu interior. Ao deixar os menores apeados junto das suas residências advertiu-os de que “seria pior para a próxima se contassem a alguém o sucedido”; é de concluir que o arguido cometeu, no que respeita ao menor JP, um crime agravado de violação, na forma consumada, em concurso real com um crime de abuso sexual de crianças e com um crime agravado de violação, na forma tentada.
XI - O regime que decorre do DL 401/82, de 23-09 (regime penal especial para jovens delinquentes), não é de aplicação automática, mas deve ser oficiosamente considerado pelo tribunal – sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP –, por a lei vincular o tribunal à averiguação de eventuais pressupostos de facto para a atenuação especial das penas ou para um juízo de prognose quanto às expectativas de reinserção social do arguido, contendo-se nos arts. 370.º e 371.º do CPP disciplina para tanto adequada: relatório social e produção de prova suplementar.
Proc. n.º 2874/08 -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes