Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 22-10-2008
 Abuso de poder Elementos da infracção Ministério Público Reorganização dos serviços
I -São elementos típicos do crime de abuso de poder p. e p. pelo art. 382.º do CP: o abuso de poderes ou a violação de deveres inerentes ao cargo e a intenção, por parte do agente, de obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiro, ou de causar um prejuízo a outra pessoa.
II - Não enferma de vício de ilegalidade a decisão do arguido que, na qualidade de Procurador-Geral Distrital, com fundamento em que se verificava uma situação grave de acumulação de serviço no Círculo de …, a exigir um reforço imediato do número de Procuradores, e dada a inviabilidade de consagração a curto prazo do novo quadro legal proposto pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e a impossibilidade de colocação de um magistrado auxiliar, recorrendo ao mecanismo previsto no art. 63.º, n.º 4, do EMP, obtido o prévio aval da PGR, como é imposto pelo preceito, determinou o “destacamento” para aquele Círculo Judicial do Procurador da República JA.
III - O impropriamente designado “destacamento” constituiu um acto de gestão de emergência, visando intervir rapidamente numa situação de acumulação de serviço que exigia medidas urgentes; tal colocação não constitui transferência nem destacamento, em termos próprios, mas sim afectação a título precário ao serviço de outro tribunal, fundamentada em razões de emergência, vedado como estava o recurso a outros meios de mobilidade dos magistrados.
IV - De igual modo, não de verifica o vício de ilegalidade na distribuição de serviço entre os Procuradores da República do mesmo Círculo Judicial se o arguido, perante a elevação do número de Procuradores, e com fundamento, por um lado, no exercício negativo que o assistente, Procurador da República, vinha fazendo das suas funções de direcção, coordenação e fiscalização da actividade do MP naquele Círculo Judicial, já referido no relatório de inspecção aos serviços do assistente em 2002 e constatado pelo próprio arguido desde que assumira as funções de Procurador-Geral Distrital, o que ele confirma com exemplos significativos, e, por outro lado, nas qualidades de “liderança, iniciativa, diálogo e colaboração com a hierarquia” do Procurador da República JA, qualidades essas indispensáveis, segundo o ponto de vista do arguido, para o exercício de tais funções, atribuiu a este último as funções de direcção e coordenação dos Procuradores-Adjuntos, que até aí cabiam ao assistente.
V - Este acto não é ilegal, por desrespeito das regras de preferência, nomeadamente do art. 136.º, n.º 4, do EMP, uma vez que esta norma se reporta à colocação de magistrados, estabelecendo as regras de preferência entre eles, e nada tem a ver com a distribuição do serviço. Nessa matéria, o único critério é o do interesse do serviço, isto é, as qualidades e características de cada magistrado e a sua preparação específica, independentemente do tempo de antiguidade na função ou de outros factores de ordem formal.
VI - Assim, o arguido não cometeu qualquer ilegalidade ao elaborar tal distribuição de serviço, a qual estava compreendida no âmbito dos seus poderes, nos termos do art. 58.º, n.º 1, al. h), do EMP, o que fez respeitando o critério legal (o interesse do serviço), fundamentando desenvolvidamente as suas opções com base nesse critério, e, consequentemente, não praticou qualquer abuso de poderes ou violação de deveres inerentes à função.
VII - Foi, pois, o interesse do serviço que motivou as decisões tomadas pelo arguido, ou seja, a intenção de proceder a uma reorganização dos serviços do MP do Círculo Judicial de …, em ordem a pôr termo à situação de acumulação de serviço que ali se verificava, aumentando o número de Procuradores e colocando nas funções de coordenação o magistrado que, pelas suas características pessoais e pelo trabalho anteriormente prestado, dava maiores garantias de melhorar a situação da Procuradoria no aspecto de direcção e coordenação dos Procuradores-Adjuntos e ligação e responsabilização perante a Procuradoria-Geral Distrital, excluída ficando, assim, a intenção de prejudicar alguém, nomeadamente o assistente, ou de beneficiar ilegitimamente qualquer pessoa, concretamente o Procurador da República JA.
VIII - Deste modo, é de concluir pela não verificação de qualquer dos elementos típicos do crime de abuso de poderes p. e p. pelo art. 382.º do CP.
Proc. n.º 3287/08 -3.ª Secção Maia Costa (relator) ** Pires da Graça