ACSTJ de 22-10-2008
Recurso de revisão Pena de expulsão Estrangeiro Filhos menores residentes em Portugal Declaração de inconstitucionalidade Novos factos Conhecimento superveniente Graves dúvidas sobre a justiça da condenação Reabertura da audiência
I -A norma do art. 449.º do CPP, que enumera, de forma taxativa, os fundamentos e a admissibilidade da revisão, é uma norma excepcional e uma restrição grave ao princípio de segurança inerente ao Estado de Direito, consentida mesmo à luz do direito internacional, particularmente no art. 4.º, n.º 2, do protocolo adicional n.º 7 à CEDH, mas só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de respeito do caso julgado, de resto permitida no art. 29.º, n.º 6, da CRP. II - É imperioso que o recurso não se transforme em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise)», num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a «eternização da discussão de uma mesma causa» (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, págs. 1209 e 1215), não podendo ver-se nele um recurso contra os recursos ou o recurso dos recursos, de que se lança mão em desespero de causa, quando todos os demais já redundaram em fracasso. III - A norma do art. 68.º, n.º 1, do DL 59/93, de 03-03 (que, em conjugação com o disposto no art. 34.º do DL 15/93, de 22-01, serviu de suporte legal à condenação na pena acessória de expulsão), foi revogada pelo art. 162.º do DL 244/98, de 08-08, passando a constituir o art. 101.º, alterado, por seu turno, pelo DL 4/2001, de 10-01. IV - Este preceito, para além do mais, dispõe que não será aplicada a pena acessória de expulsão aos estrangeiros residentes que «tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível da execução da pena» (al. b) do seu n.º 4), harmonizando-se com o princípio enunciado no art. 36.º, n.º 6, da CRP, segundo o qual «os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial». V - E o Ac. do TC n.º 232/2004, de 31-03, veio declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos arts. 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição, das normas do art. 101.º, n.º 1, als. a), b) e c), e n.º 2, e do art. 125.º, n.º 2, do DL 244/98, de 08-08, na sua versão originária, da norma do art. 68.º, n.º 1, als. a), b) e c), do DL 59/93, de 03-03, e da norma do art. 34.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional; e fixar os efeitos da inconstitucionalidade das normas referidas de modo que não fiquem ressalvados os casos julgados relativamente a penas acessórias de expulsão ainda não executadas aquando da publicação desta decisão. VI - O alcance do referido acórdão do TC, com aquela eficácia, não abdica, contudo, do pressuposto necessário de o condenado, cidadão estrangeiro, ter filhos a seu cargo, menores, de nacionalidade portuguesa, residentes em território nacional, na data em que foi proferida a decisão de expulsão. VII - Só assim se preenche a filosofia do instituto da revisão, pela·inconsideração de um facto preexistente à condenação, atentatório da CRP na interpretação que a posteriori lhe atribuiu o TC, em fiscalização sucessiva, e que levaria a ter-se por injusta a pena acessória de expulsão, suscitando grave dúvida sobre a justiça da decisão de expulsão. VIII - A justeza do recurso de revisão passa pelo crivo da verificação, ex ante à decisão revidenda, da convivência com os filhos, da sua dependência do recorrente, do interesse da preservação da unidade da família, apresentando-se desproporcionada a expulsão por aquele valor se apresentar mais digno de protecção mesmo quando comparado com a evidente lesividade à ordem jurídica nacional, como é caso do recorrente, já com três condenações, duas delas pelo crime grave de tráfico de estupefacientes. IX - Numa data em que os filhos do recorrente ainda não tinham nascido, não podia o tribunal ter considerado tais factos nem o acórdão do TC tem a virtualidade de criar aqueles factos jurídicos, indo contra a realidade do seu não nascimento: o facto invocado não era conhecido naquela data, nem do recorrente nem de outrem, pelo que não se impõe a revisão em vista da declaração de uma injustiça decisória, que importaria corrigir. X - Poderá o recorrente lançar mão do art. 135.º, al. b), da Lei 23/2007, de 04-07, segundo o qual não podem ser expulsos os estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa, a coberto da reabertura da audiência, nos termos do art. 371.º-A, do CPP, mas não da revisão de sentença.
Proc. n.º 2042/08 -3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
Pereira Madeira
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