Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 22-10-2008
 Concurso de infracções Cúmulo jurídico Pena única Fundamentação Nulidade da sentença
I -Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
II - A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
III - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
IV - Na consideração da personalidade (estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a mesma se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
V - Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.
VI - O art. 374.º, n.º 2, do CPP, que dispõe sobre os “requisitos da sentença” (relatório – n.º 1; fundamentação – n.º 2; e dispositivo ou decisão stricto sensu), indica no n.º 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
VII - A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
VIII - A garantia de fundamentação é indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial; o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz. A sua observância concorre para a garantia da imparcialidade da decisão; o juiz independente e imparcial só o é se a decisão resultar fundada num apuramento objectivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito (cf. Michele Taruffo, Note sulla garanzia costituzionale della motivazione, in BFDUC, 1979, Vol. LV, págs. 31-32).
IX - A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos: para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.
X - Constatando-se que: -a decisão recorrida não contém elementos relativos aos factos dos vários crimes em concurso que foram considerados para a fixação da pena única (natureza, modalidades de execução, gravidade, espaço temporal de actividade), pelo que a mesma não possibilita um juízo que tem de partir da conjugação e correlação entre os factos para apreciação da dimensão do “ilícito global”, pressuposto necessário da fixação da pena única;. -e também, no limite necessário, não contém referências à personalidade do recorrente que permitam formular um juízo sobre o modo como se projectou nos factos ou foi por eles revelada (ocasionalidade, pluriocasionalidade ou tendência), tal como exige o art. 77.º, n.º 1, do CP (cf. v.g., Ac. do STJ de 25-10-2006, Proc. n.º 2667/06 -3.ª) – as referências do acórdão recorrido à personalidade, apenas através de elementos de actualidade ex post à prática dos factos e verificados por leituras consequenciais, não bastam para efectuar a avaliação que a lei pressupõe (personalidade projectada nos factos ou revelada pelos factos) para a determinação da pena única; é de concluir que o acórdão recorrido não respeita as exigências do art. 374.º, n.º 2, do CPP, estando, nesta parte, afectado de nulidade (art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP).
Proc. n.º 2842/08 -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro