Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 22-10-2008
 Velocidade excessiva Excesso de velocidade Atravessamento de peões Homicídio por negligência Nexo de causalidade Concorrência de culpas Responsabilidade civil emergente de crime Indemnização Direito à vida Danos não patrimoniais Juros
I -O condutor deve regular a sua velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (art. 7.º, n.º 1, do CEst).
II - A velocidade deve ser especialmente moderada nas localidades ou vias marginadas por edificações (art. 25.º, n.º 1, al. c), do CEst, na redacção vigente à data dos factos).
III - Os condutores não podem exceder as velocidades instantâneas (em km/h) constantes do n.º 1 do art. 27.º do CEst, ou os limites máximos de velocidade que lhes tenham sido estabelecidos (n.º 3 do mesmo preceito).
IV - Embora os peões possam transitar pela faixa de rodagem, em determinados casos, nomeadamente quando efectuem o seu atravessamento, devem fazê-lo com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito dos veículos – art. 99.º, n.º 2, al. a), do CEst.
V - Vindo provado que: -o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 8… pela Estrada Nacional n.º 3…, no sentido BA-BR, em A…, BA…, imprimindo-lhe uma velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 61 km/h, sendo o local onde circulava uma recta com mais de 100 m e boa visibilidade; -a estrada, ao km 50,9, é ladeada de ambos os lados por habitações, sendo habitual a existência de muito trânsito, «quer de pessoas quer de peões»; -no local do acidente existe, à direita, atento o sentido de marcha do arguido, uma entrada para uma oficina e, à esquerda, uma entrada para um estabelecimento comercial (café), em frente do qual, situado do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do arguido, existe uma baía de estacionamento, que naquele momento tinha carros estacionados; -considerando o sentido de marcha do arguido, a estrada tem inclinação descendente e, no mesmo sentido de marcha, existiam no local os seguintes sinais verticais, ao longo do km 50 e até ao km 50,9: travessia de peões (A16b), proibição de exceder a velocidade máxima de 40 km/h (C13), proibição de ultrapassar (C14a), passagem para peões (H7), entroncamento com via sem prioridade (B9b), e fim da proibição de ultrapassar (C20c); -o local tem luz pública, que se encontrava ligada; -o sol já se tinha posto; -o arguido avistou o NM a distância não concretamente apurada, mas a pelo menos 21,79 m do local do embate; -o NM, que tinha 7 anos de idade, atravessou a faixa de rodagem sozinho, em correria, em perseguição do pai com quem momentos antes estivera no café, e não o fez na passadeira; -ao aperceber-se da atitude da vítima, o arguido accionou os travões a fundo, no intuito de evitar o embate, mas foi colidir com a parte frontal da viatura por si conduzida no corpo do NM, que foi projectado para uma distância de cerca de 29 m do local; -a travagem iniciou-se antes do embate e prolongou-se por alguns metros após aquele, sendo que os pneus e os sistemas de travagem, direcção e sinalização acústica do veículo automóvel conduzido pelo arguido estavam em bom estado de funcionamento; -o arguido sabia que se encontrava em A…, num local onde a estrada é ladeada por casas e estabelecimentos de ambos os lados e sabia que o sinal vertical C13 lhe impunha que não circulasse a velocidade superior a 49 km/h; -sabia ainda que a estrada tinha uma inclinação descendente e que devia, por esse motivo, ser especialmente prudente; -ainda assim, quis conduzir da forma descrita, não conseguindo, atenta a velocidade imprimida ao veículo, imobilizá-lo antes do embate com a vítima; é evidente que a conduta do arguido foi adequadamente causal à produção do resultado, ao não respeitar o limite máximo de velocidade para aquele local, circulando a velocidade superior, apesar dos sinais limitativos ali existentes, sabendo que se encontrava numa povoação, sendo habitual no local a existência de muito trânsito e de peões, sendo que também a actuação da vítima concorreu de forma causalmente adequada para a produção do resultado, configurando-se como correcta a proporção de culpa estabelecida no acórdão recorrido, de 70% para o arguido e de 30% para a vítima.
VI - O dano resultante da perda da vida tem carácter autónomo e a respectiva indemnização é transmissível – cf. Pereira Coelho, Sucessões, 1968, pág. 143 e ss. –, sendo este o entendimento comum da jurisprudência.
VII - A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado, e deve ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ter gravidade bastante para justificar a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – cf. Ac. do STJ de 18-12-2007, in www.dgsi.pt.
VIII - A indemnização, porque visa oferecer àquele uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”.
IX - O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros.
X - Na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e sócio-económica.
XI - Assim, tendo em conta a idade da vítima e a jurisprudência actual deste STJ sobre o valor do dano morte, é de manter o montante atribuído, de € 45 000, que vai ao encontro do usualmente concedido. XII- Dado que as indemnizações resultantes do dano morte e dos danos não patrimoniais apenas vieram a fixar-se na decisão final, tinham um carácter actualizado na data da sentença (art. 566.º, n.º 2, do CC), pelo que só a partir dessa data poderiam acrescer os juros de mora, na esteira, aliás, do determinado pelo acórdão de fixação de jurisprudência de 09-05-2002, in Proc. n.º 1508/01 -1.ª, DR Série I-A, n.º 146, de 27-06-2002.
Proc. n.º 3265/08 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges