ACSTJ de 22-10-2008
Admissibilidade de recurso Acórdão do tribunal colectivo Recurso da matéria de direito Aplicação da lei processual penal no tempo Direito ao recurso Duplo grau de jurisdição Competência da Relação
I -De acordo com o art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, na redacção introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, recorre-se para o STJ «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito», sendo certo que, de harmonia com a redacção da al. d) do art. 432.º anterior àquela Lei se recorria para o STJ «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito». II - Como é pacífico e jurisprudência comum deste STJ, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre: no domínio da aplicação da lei processual penal no tempo vigora a regra tempus regit actum, só assim não acontecendo em relação às normas processuais penais de natureza substantiva – cf. Ac. do STJ de 22-11-2007, Proc. n.º 3876/07 -3.ª. III - Como se expendeu na decisão sumária de 06-12-2007 deste Supremo (Proc. n.º 4552/07 3.ª), «O CPP contém norma – o art. 5.º – que dispõe a este respeito que a nova lei se aplica imediatamente (isto é, também aos processos iniciados anteriormente à sua vigência), sem prejuízo, naturalmente, da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior – art. 5.°, n.º 1. IV - Todavia, no respeito por princípios materiais ligados à posição do arguido, ou pelas exigências de coerência sistemática e harmonia intraprocessual, a lei nova não se aplicará aos processos iniciados anteriormente quando da aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo. V - Deste modo, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – é a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em que for proferida a decisão. O momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer. VI - A alteração da competência do STJ para Tribunal da Relação no que respeita à decisão proferida pelo Tribunal Colectivo não determina nem implica qualquer desarmonia processual ou incongruência sistémica. VII - Com efeito, a coordenação da sequência de actos processuais não é minimamente afectada pela aplicabilidade da lei nova, vista a relativa autonomia da instância e da fase de recurso. E o facto de o recurso ter sido admitido com uma determinada conformação formal, dirigido ao e admitido para o Supremo Tribunal, não tem qualquer relevância para afirmação de desadequação na coerência do processo. VIII - A aplicação da lei nova não tem qualquer consequência em termos de passado, ou em termos de futuro, em relação à harmonia e regularidade dos actos processuais que integram um processo penal. IX - E também não afecta a posição processual, maxime no que respeita ao exercício do direito de defesa do arguido. Não está inscrito no catálogo dos direitos de defesa e no estatuto processual do arguido o direito ao recurso com determinada conformação e sobretudo para um tribunal de determinado grau na hierarquia. X - Consagrado o direito ao recurso como integrante da garantia constitucional do direito de defesa (art. 32.º, n.º 1, da Constituição), em um grau, cabe na margem de apreciação do legislador, segundo critérios racionalidade de meios e organização, a escolha do tribunal de recurso que considere melhor adequado para a reapreciação de decisões em função da gravidade das consequências para os interessados, na harmonia do sistema e naturalmente com critérios de realização da igualdade. XI - A aplicação imediata da lei processual nova com a transferência de competência para o Tribunal da Relação não coloca, assim, em causa o exercício do direito ao recurso na dimensão constitucional de exercício do direito de defesa». XII - Também, em circunstâncias idênticas, no mesmo sentido se pronunciaram as decisões sumárias proferidas em 03-10-2007 no Proc. n.º 3197/07 -3.ª e em 26-11-2007 no Proc. n.º 4459/07 -5.ª, bem como o acórdão prolatado nos autos de recurso n.º 903/08 -3.ª. XIII - Como se decidiu no Ac. deste Supremo de 29-05-2008 (Proc. n.º 08P1313, da 5.ª Secção), para o efeito do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art. 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei. XIV - A prolação da decisão final na 1.ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X). XV - Ao iniciar-se a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento. XVI - É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1.ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo. XVII - Quando, como sucede nos autos, a decisão recorrida, da 1.ª instância, em que o arguido foi condenado em pena não superior a 5 anos de prisão, ocorreu já posteriormente à vigência da Lei 48/2007, de 29-08, não há, em concreto, qualquer preterição ou diminuição dos direitos de defesa do arguido, ou seja, inexiste motivo que integre a excepção à aplicação da lei nova prevista no n.º 2 do art. 5.º do CPP, sendo, pois, competente para a apreciação e julgamento do recurso o Tribunal da Relação (art. 427.º do CPP). XVIII - É estranha ao art. 32.º da CRP a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição. XIX - E, não sendo o acórdão recorrível para o STJ, nem por isso o direito ao recurso fica desacautelado, pois que o duplo grau de jurisdição se concretiza com a apreciação pelo Tribunal da Relação.
Proc. n.º 3376/08 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
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