Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 22-10-2008
 Concurso de infracções Conhecimento superveniente Cúmulo jurídico Pena única Fundamentação Trânsito em julgado Fórmulas tabelares Nulidade da sentença
I -Princípio de matriz constitucional em matéria de decisões judiciais é o princípio da fundamentação, consagrado no art. 205.º, n.º 1, da CRP, o qual se traduz na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão – art. 97.º, n.º 5, do CPP.
II - Tal princípio, relativamente à sentença penal – acto decisório que, a final, conhece do objecto do processo –, concretiza-se mediante uma fundamentação reforçada que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender os juízos de facto e de direito assumidos pelo julgador e, por outro, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, através do recurso, que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa – art. 32.º, n.º 1, da CRP.
III - De acordo com o n.º 2 do art. 374.º do CPP, a fundamentação da sentença faz-se através da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
IV - A decisão que não visa o conhecimento do objecto do processo, antes o cúmulo jurídico de penas aplicadas em sentenças já transitadas em julgado, neste e noutros processos, ou seja, a determinação de uma pena conjunta, englobadora de penas já definitivamente aplicadas, embora assuma indiscutivelmente a natureza de sentença, configura uma decisão diferente da sentença tal qual esta é definida na al. a) do n.º 1 do art. 97.º e estruturada no art. 374.º do CPP.
V - Tal circunstância conduz, necessariamente, a que aquela decisão não esteja sujeita a todos os requisitos previstos no art. 374.º, que relativamente a alguns deles não seja exigível o seu preciso e rigoroso cumprimento e que, no que concerne a outros, a sua aplicação haja de ser feita com as necessárias adaptações.
VI - É o que sucede com os factos provados e não provados constantes das sentenças condenatórias aplicadoras das penas a cumular e com a indicação e exame crítico das provas em que o julgador se baseou para nesse sentido decidir, não sendo necessária a sua consignação (transcrição), como impõe o n.º 2 daquele artigo: é suficiente enumerar os crimes em concurso e as respectivas penas, com indicação das datas da sua prática, das condenações e do trânsito em julgado, suposta, obviamente, a presença nos autos de certidões (narrativas completas) daquelas sentenças.
VII - Exigir a transcrição da enumeração daqueles factos e a transcrição da indicação e exame crítico daquelas provas, sob pena de nulidade da sentença, seria enveredar por um formalismo excessivo, desnecessário, inimigo da economia e da celeridade que o processo penal deve ter.
VIII - No entanto, atento o concreto desiderato da decisão recorrida – cúmulo de penas –, bem como o critério legal norteador da determinação da pena única – consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente – n.º 1 do art. 77.º do CP –, após a análise destes factores, deve o julgador dar a conhecer as específicas razões que determinaram o concreto quantum da pena conjunta.
IX - Como se consignou no Ac. deste STJ de 16-11-2005, a fundamentação da pena conjunta não se deve confundir com a de cada uma das penas singulares, visto que na fixação da pena conjunta releva a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos reflecte uma personalidade propensa ao crime, ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.
X - Não basta, pois, para correcta fundamentação da sentença o uso de fórmulas tabelares, como o número, a natureza e a gravidade dos crimes, desacompanhadas dos elementos de facto efectivamente considerados na efectuação do cúmulo jurídico.
XI - Resultando do exame do acórdão recorrido que: -o tribunal a quo não incluiu na decisão proferida sobre a matéria de facto a indicação das datas do trânsito em julgado das decisões que condenaram o arguido nas penas objecto do cúmulo jurídico efectuado, tendo-se limitado à asserção genérica de que aquelas decisões transitaram em julgado; -a fundamentação da pena conjunta fixada circunscreveu-se à asserção de que «Na realização do cúmulo ter-se-ão em consideração os critérios estabelecidos no art. 77.º do C. Penal, nomeadamente as condições económicas e sociais do arguido que são humildes, o seu nível cultural, as diversas condenações de que foi alvo, a sua personalidade manifestada nos factos e grau de culpa, bem como as necessidades de prevenção geral e especial de factos como os dos autos»; dúvidas não restam de que o acórdão recorrido enferma de nulidade resultante de insuficiente fundamentação – al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
Proc. n.º 2815/08 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa