ACSTJ de 15-10-2008
Recurso da matéria de facto Acórdão da Relação Fundamentação Fórmulas tabelares Omissão de pronúncia Nulidade da sentença
I -Na concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, as Relações conhecem de facto e de direito (art. 428.º, n.º 1, do CPP) – reapreciação por um tribunal superior das questões relativas à culpabilidade. II - O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação total pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na indicação daquele, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas em suporte técnico ou transcritas quando tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08, aplicável no caso –, ou da sua renovação nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. III - Porém, a reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global e muito menos um novo julgamento da causa, também se não poderá bastar com declarações e afirmações gerais quanto à razoabilidade do julgamento da decisão recorrida, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada (ou, melhor, uma nova ponderação), em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória das provas que serviram de suporte à convicção em relação aos factos impugnados, para, por esse modo, confirmar ou divergir da decisão recorrida (cf. Ac n.º 116/07 do TC, de 16-02-2007, DR II Série, de 23-04-2007, que julgou inconstitucional a norma do art. 428.º, n.º 1, do CPP «quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos da prova produzida, transcrita nos autos»). IV - A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui, por isso, um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso. V - Numa situação em que, perante o thema submetido à cognição do tribunal de recurso, nos termos definidos pela recorrente (com indicação de dois pontos de factos que considera incorrectamente julgados e enunciação das provas que impunham decisão diversa), o acórdão recorrido, referindo «que o tribunal [da 1.ª instância] foi exaustivo na apreciação da prova e na sua fundamentação», que «é de facto a partir de todas as provas produzidas em audiência de julgamento que o julgador forma a sua convicção, quer daquelas que permitem ter uma percepção directa e formar um juízo imediato sobre os factos imputados aos arguidos, como seja o depoimento das testemunhas com conhecimento presencial dos factos, quer daquelas que, ainda que indirectamente, possam levar a concluir pela verificação desses factos», e que «a prova é apreciada na sua globalidade para efeitos de convencimento e de busca da verdade material», conclui ser «nesta medida» «cristalino e objectivo que a sentença recorrida, fez uma criteriosa análise da prova, apreendendo a essencialidade e o objecto da matéria em litígio», sem que se pronunciasse especificamente sobre qualquer dos meios de prova indicados – não permitindo, por isso, seguir o percurso lógico e racional na formação e formulação da convicção segundo as exigências do princípio da livre apreciação da prova –, mostra-se verificada a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), ex vi art. 425.º, n.º 2, ambos do CPP.
Proc. n.º 2894/08 -3.ª Secção
Henriques Gaspar (relator)
Oliveira Mendes
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