ACSTJ de 15-10-2008
Cúmulo jurídico Liberdade condicional Habeas corpus Âmbito da providência Cumprimento de pena
I -O facto de o arguido se encontrar em liberdade condicional não impede que se proceda à realização do cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas, desde que se verifiquem os respectivos requisitos legais – cf. arts. 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º s 1 e 2, do CP. II - Respeitando o cúmulo jurídico efectuado a uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva (e parcialmente cumprida pelo arguido) e a uma pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução, tendo a pena única de prisão sido fixada em 3 anos e 9 meses, e não tendo ficado suspensa na sua execução, impunha-se o cumprimento dessa pena pelo arguido, levando-se porém em conta (isto é, descontando-se) o tempo de prisão já cumprido por aquele (cf. art. 78.º, n.º 1, do CP). III - O acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas constitui uma nova decisão, autónoma e independente das anteriores. E à prolação e/ou cumprimento/execução desse acórdão que efectuou o cúmulo jurídico não obsta a decisão que concedeu a liberdade condicional ao arguido. IV - É que a liberdade condicional foi concedida tendo em conta não só os pressupostos referidos no art. 61.º do CP mas também, e apenas, a pena de prisão que o arguido estava a cumprir, no caso. Só que essa pena perdeu autonomia ao ser englobada no cúmulo, podendo dizer-se que os pressupostos que estiveram na base da concessão da liberdade condicional como que sofreram uma alteração decorrente da realização do mencionado cúmulo jurídico. V - Por isso, o Tribunal comunicou ao TEP a realização do cúmulo jurídico, e este último tribunal, face àquela nova condenação, poderá reapreciar a situação do arguido quanto ao cumprimento da pena e/ou à liberdade condicional. VI - Na providência de habeas corpus, o STJ apenas pode e deve controlar se a prisão se situa e se está a ser cumprida dentro dos limites da decisão judicial que a aplicou (cf., neste sentido, Acs. do STJ de 10-10-1990, Proc. n.º 29/90 -3.ª, e de 03-07-2003, Proc. n.º 2702/03 -5.ª). VII - O assento tónico do habeas corpus é posto na ocorrência de abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade reconhecido constitucionalmente, sendo providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave e grosseiro, e rapidamente verificável – que integram as hipótese das causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional, mas, neste caso, é necessária a invocação do abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, do atentado ilegítimo à liberdade individual grave e, em princípio, grosseiro e rapidamente verificável, invocação que obrigatoriamente aponte os factos em que se apoia (neste sentido, Acs. do STJ de 10-01-2002, Proc. n.º 2/02 -5.ª, e de 23-05-2002, Proc. n.º 2023/02 -5.ª). VIII - E esta providência deve ser rejeitada sempre que a prisão tenha sido aplicada por entidade competente, por factos pelos quais a lei a permita e a prisão se encontre dentro do prazo legalmente fixado por aquela entidade (cf., neste sentido, Ac. do STJ de 24-11-2005, Proc. n.º 3906/05 -5.ª). IX - Estando o requerente preso na sequência de decisão judicial proferida por entidade competente (acórdão do Tribunal Colectivo de …), por facto pelo qual a lei permite a prisão (os ilícitos criminais pelos quais foi condenado por acórdão transitado em julgado, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, em cuja liquidação será descontado o tempo de prisão já cumprido), e em cumprimento dessa pena de prisão em que foi condenado, a providência é manifestamente infundada.
Proc. n.º 3371/08 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
Pereira Madeira
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