Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 08-10-2008
 Concurso de infracções Cúmulo jurídico Pena única
I -De acordo com o art. 77.º, n.º 2, do CP, a pena conjunta, através da qual se pune o concurso de crimes, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos.
II - Por outro lado, segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão-só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas.
III - No âmbito do regime legal da punição do concurso de crimes, o legislador penal não adoptou o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto, desde a absorção – aplicação da pena mais grave – ao cúmulo material, passando pela exasperação.
IV - Por outro lado, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
V - Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente – como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
VI - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do seu conjunto que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.
VII - Resultando dos autos que: -os crimes em concurso [um homicídio por negligência, um furto qualificado, uma ofensa à integridade física por negligência, uma condução perigosa de veículo rodoviário e uma condução de veículo sem habilitação legal] se encontram intimamente relacionados, visto que cometidos sequencialmente, num curto espaço de tempo (entre as 20h00 do dia 24-082007 e a madrugada do dia 26-08-2007); -a moldura da pena conjunta varia entre o mínimo de 3 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 10 anos e 7 meses de prisão [3 anos e 6 meses de prisão (homicídio por negligência); 3 anos e 6 meses de prisão (furto qualificado); 7 meses de prisão (ofensa à integridade física por negligência); 2 anos de prisão (condução perigosa de veículo rodoviário); e 1 ano de prisão (condução de veículo sem habilitação legal)]; -o quadro delituoso conjunto revela que o arguido é portador de uma personalidade desprovida de valores éticos, destacando-se a indiferença com que assume condutas criminosas de elevado risco; -o percurso criminoso do arguido [com 25 anos de idade, foi condenado, em 11-03-2003, pela prática de um crime de roubo, na pena de 3 anos e 10 meses prisão; em 04-03-2008, foi condenado, sem trânsito em julgado, na pena conjunta de 3 anos de prisão, com suspensão da sua execução, pelo cometimento de seis crimes de furto, um na forma tentada, por factos ocorridos em 2005; actualmente encontra-se preso preventivamente, por suspeita da prática de um crime de furto qualificado e de um crime de abuso de cartão de crédito], conquanto não evidencie, por ora, propensão para o crime, constitui, obviamente, um factor negativo; não merece qualquer censura a pena conjunta fixada pelo tribunal recorrido – 6 anos de prisão –, não sendo possível formular um juízo de prognose positivo, antes se antevendo, face à toxicodependência do arguido, um futuro problemático.
Proc. n.º 2835/08 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa