ACSTJ de 08-10-2008
Competência do Supremo Tribunal de Justiça Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Recurso da matéria de facto Duplo grau de jurisdição Omissão de pronúncia Nulidade da sentença
I -O STJ, sendo um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais. II - Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos apontados vícios por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação. III - Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 – inalterada com a operada pela Lei 48/2007, de 29/08 –, que alterou a redacção da al. d) do art. 432.º do CPP, fazendo-lhe acrescer a expressão, antes inexistente, “visando exclusivamente o reexame da matéria de direito”, opção que visou limitar o acesso ao STJ, sob pena de o sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é. IV - Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente restabelecer a equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto. V - E esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, se bem que por vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem se o recurso para ali for logo encaminhado. VI - O recurso da matéria de facto tem em vista questionar o passo que se deu da prova produzida aos factos dados por assentes e/ou o passo que se deu destes à decisão. No primeiro caso, o recorrente deverá impugnar a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova; no segundo, invocar um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º). VII - Quando o recorrente alega, por referência ao art. 410.º, n.º 2, do CPP, vícios da decisão recorrida, mas fora das condições previstas nesse normativo, limita-se a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127.º do CPP. VIII - Não tendo o recorrente exercido o recurso em matéria de facto de forma processualmente válida, não podia o Tribunal da Relação reanalisar pontualmente a matéria de facto – nem era legalmente exigível que o fizesse –, porque não havia objecto factual preciso, explicitado em invocação de pontos de facto incorrectamente julgados, com identificação concreta das passagens da gravação em que se fundava a impugnação. IX - A nulidade por omissão de pronúncia – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP –, mesmo não alegada, é oficiosamente cognoscível em recurso, visto que as nulidades da sentença enumeradas naquele preceito têm tramitação própria e diferenciada do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que tais nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.
Proc. n.º 3068/08 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
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