Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 08-10-2008
 Recurso de revisão Novos factos Novos meios de prova Conhecimento superveniente Condução sem habilitação legal Carta de condução
I -Os casos de revisão de sentença e os seus fundamentos estão expressa e taxativamente previstos no art. 449.º do CPP. E compreende-se que assim seja, pois, importando o recurso de revisão o “sacrifício” do caso julgado, da estabilidade das decisões transitadas – corolário da segurança jurídica –, só deve ser admitido em casos pontuais e expressamente previstos na lei.
II - Tal recurso constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado e tem como fundamento essencial a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, de modo a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal. Destina-se a corrigir uma sentença que se mostra flagrantemente injusta em virtude, p. ex., do conhecimento superveniente ao respectivo trânsito em julgado de novos factos ou novos meios de prova.
III - Na verdade, um dos fundamentos do recurso de revisão é a existência de novos factos ou meios de prova (cf. art. 494.º, n.º 1, al. d), do CPP), isto é, de factos ou meios de prova que, por um lado, fossem ignorados ao tempo do julgamento e, por outro, que provoquem uma grave dúvida (e não apenas uma qualquer dúvida) sobre a justiça da condenação.
IV - Trata-se de factos ou meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que conduziu à condenação e que, desconhecidos na ocasião do julgamento, suscitem graves dúvidas sobre a culpabilidade do arguido.
V - E quando dizemos ignorados ao tempo do julgamento ou desconhecidos na ocasião do julgamento, isso não significa que não fossem ou não pudessem ser conhecidos pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar (cf., neste sentido, Maia Gonçalves, CPP anotado, pág. 982, e Ac. deste STJ de 03-04-1990, Proc. n.º 41800 -3.ª). Significa tão-só que se trata de factos ou meios de prova que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal.
VI - Numa situação, como a dos autos, em que, aquando da realização da audiência de julgamento, o arguido apresentou contestação escrita na qual alegou expressamente que era titular de carta de condução emitida pela República da Ucrânia, tendo até junto ao processo cópia da mesma e da respectiva legalização/confirmação, os factos e meios de prova agora invocados pelo MP como fundamento da revisão de sentença que requer – ser o arguido, à data dos factos por que foi condenado, titular de carta de condução emitida pela República da Ucrânia, que juntou – não podem ser considerados novos factos ou meios de prova, no sentido atrás referido e constante do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, pois que foram levados ao conhecimento do tribunal aquando da realização da audiência de julgamento e foram (ou poderiam ter sido) devidamente apreciados pelo julgador.
VII - Questão distinta é a de saber se, ao considerar que o cidadão ucraniano AR, à data dos factos, não estava habilitado a conduzir o tipo de veículos que tripulava quando foi fiscalizado pela PSP, condenando-o numa pena de multa, o tribunal valorou correctamente a alegação e documentos apresentados por aquele e fez correcta interpretação e aplicação da lei.
VIII - -Embora da sentença que se pretende rever nada de expresso conste acerca dos factos alegados na contestação ou dos documentos juntos, é evidente que, tendo os mesmos sido juntos ao processo aquando da audiência de julgamento, foram do conhecimento do tribunal e poderiam, e deveriam, ter sido apreciados por este.
IX - Se, perante essa factualidade, o MP (ou o condenado) entendia(m) que a sentença não tinha feito uma correcta avaliação e ponderação de todos os factos e provas, maxime dos alegados na contestação e, por isso, não tinha feito uma correcta interpretação e aplicação da lei, não concordando com a decisão, podia(m) e devia(m) ter lançado mão dos mecanismos que a lei lhe(s) facultava para impugnar a mesma, designadamente através dos recursos ordinários.
X - A lei não permite que a inércia voluntária do MP e/ou do condenado em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa.
XI - Como refere o Ac. do TC n.º 367/2000, «No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias» – cf. também, neste sentido, o Ac. do STJ de 14-06-2006, CJSTJ, ano XIV, tomo 2, pág. 217.
XII - «Só esta interpretação faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado» – cf. Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, pág. 1198.
XIII - Como bem refere este mesmo autor (ob. cit., págs. 1198-1200), «As graves dúvidas sobre a “justiça da condenação” dizem respeito à imputação do crime e à determinação das sanções principais e acessórias, bem como à atribuição de indemnização civil. (…) Mas não estão incluídos os seguintes casos: A prova pelo arguido condenado pelo crime de condução sem habilitação legal, da junção tempestiva aos autos da carta de condução, que não foi tida em conta por erro do julgador, pois o arguido deveria ter interposto recurso ordinário com vista a sindicar o erro de julgamento».
Proc. n.º 3062/08 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Armindo Monteiro