Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 01-10-2008
 Livre apreciação da prova Perícia psiquiátrica Valor probatório
I -Em processo penal a regra é a de livre apreciação da prova, como decorre do estatuído no art. 127.º do CPP, onde se estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
II - Tal princípio não é absoluto, e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial.
III - Segundo Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 323), estas excepções integram-se no princípio da prova legal ou tarifada, que é usualmente baseado na segurança e certeza das decisões, consagração de regras de experiência comum e facilidade e celeridade das decisões.
IV - Na definição do art. 388.º do CC, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
V - E, de acordo com o art. 151.º do CPP, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. A perícia é, assim, a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
VI - Segundo José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 161), a função característica da testemunha é narrar o facto e a do perito é avaliar ou valorar o facto, emitir quanto a ele juízo de valor, utilizando a sua cultura e experiência.
VII - A regra geral, relativa ao valor probatório das perícias, de que se presume subtraído à livre convicção do magistrado o juízo técnico, científico e artístico inerente àquelas, com obrigação de fundamentação de eventual divergência, foi indicada na Lei 43/86, de 26-09 (Lei de autorização legislativa de que emergiu o CPP87) e veio a ser estabelecida no art. 163.º do CPP.
VIII - Para Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, vol. II, pág. 178), «a presunção que o art. 163.º, n.º 1, consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial».
IX - Na jurisprudência acolheram-se estas soluções, sendo disso exemplo, entre muitos outros, os Acs. do STJ de 11-02-2004, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 197; de 19-10-2005, Proc. n.º 2816/05 -3.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 189; de 11-01-2006, Proc. n.º 4299/05 -3.ª; de 2610-2006, Proc. n.º 183/06 -5.ª; de 11-07-2007, Proc. n.º 1416/07 -3.ª; de 19-09-2007, Proc. n.º 2811/07 -3.ª; e de 07-11-2007, Proc. n.º 3986/07 -3.ª.
X - Não comporta juízo técnico-científico sobre a inimputabilidade do arguido no momento da prática do crime o relatório pericial de psiquiatria que, sobre o elemento crucial em análise, apenas refere: «Na altura dos factos de que é acusado – com base nos elementos fornecidos pelo próprio e da informação do Hospital de Caxias onde foi internado ao 3° dia de detenção – é provável que se encontrasse em surto psicótico agudo, de causa indeterminada. Em surto psicótico agudo o sujeito não tem capacidade para adequadamente avaliar as consequências dos seus actos e omissões e de adequadamente se determinar de acordo com essa avaliação. Admitindo que na altura dos factos de que é acusado o sujeito estava em surto psicótico agudo deverá ser considerado inimputável».
XI - Na verdade, o Sr. Perito não faz uma afirmação, não emite uma pronúncia sustentada, antes limita-se a produzir um juízo opinativo, adiantando apenas uma mera probabilidade, avançando um palpite.
XII - Ora, num caso, como o dos autos, em que não está em causa um juízo técnico-científico, com o sinal de certeza requerido, mas antes de mera probabilidade, a força vinculativa própria da prova tarifada não é absoluta, ficando à responsabilidade do tribunal, nos termos do art. 127.º do CPP, a decisão sobre a imputabilidade ou inimputabilidade do arguido, e afastada a aplicação do disposto no art. 163.º do CPP.
Proc. n.º 2035/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis