ACSTJ de 11-09-2008
Homicídio Tentativa Dolo Dolo eventual Medida concreta da pena Suspensão da execução da pena Fins das penas Prevenção geral Indemnização Competência do Supremo Tribunal de Justiça
I -Uma coisa é a resolução e outra coisa a intenção, sendo aquela compatível com qualquer forma de dolo, tanto mais que, sendo a tentativa um tipo dependente de um tipo consumado, são os mesmos os requisitos exigíveis do ponto de vista do tipo subjectivo, incluindo as formas que reveste a conduta dolosa. Quanto ao tipo objectivo é que há diferenças, desde logo porque não se verifica o resultado, que todavia é abarcado pelo dolo do agente, seja este directo, necessário ou eventual, mas não se verificando a ocorrência de tal resultado por motivos independentes da vontade do agente. II - Na tentativa, o agente desencadeia o processo objectivo causal (processo de execução) conducente a tal resultado (art. 22.º do CP), só não se verificando este por razões que lhe são alheias, nisto se distinguindo a tentativa punível da tentativa não punível, em que o autor desiste voluntariamente da prossecução do processo de execução ou impede o resultado (art. 24.º do CP). III - Encontrando-se provado que: -o recorrente disparou contra o ofendido um tiro de pistola carregada com munições de calibre 7,65 mm Browning, a uma distância de cerca de 4 m, tendo o projéctil atingido o ofendido no hemitorax esquerdo, com o que lhe provocou ferimentos que acarretaram perigo para a sua vida e foram causa de uma intervenção cirúrgica; -ao efectuar tal disparo, o recorrente pretendeu atingir o corpo do ofendido, agindo deliberada e conscientemente, com conhecimento de que a sua conduta era proibida e prevendo como consequência possível desse disparo que podia tirar-lhe a vida, conformando-se porém com tal resultado; cometeu o recorrente um crime de homicídio tentado. IV - A fixação da medida concreta da pena tem de arrancar da moldura penal abstracta prevista para o crime de homicídio tentado, ou seja, 1 ano, 6 meses e 7 dias a 10 anos e 8 meses de prisão (arts. 131.º, 23.º, n.º 2, e 73.º, als. a) e b), do CP), mostrando-se adequada a pena de 4 anos de prisão [procedendo a um ligeiro abaixamento da pena de 4 anos e 6 meses aplicada pelo Tribunal da Relação]. V - No que se refere à substituição da pena aplicada por pena alternativa de carácter não detentivo, nomeadamente pena de suspensão da execução da pena (art. 50.º, n.º 1, do CP), verifica-se que as exigências de prevenção geral são muito acentuadas no caso, tratando-se de um crime de homicídio tentado, praticado com arma de fogo e sem que existisse motivação para tal, pois o ofendido não deu azo a tão inesperado comportamento do recorrente. O sentimento comunitário em relação a este tipo de crimes, envolvendo uma tal violência com o uso de armas de fogo, é de acentuada repulsa e de grande exigência relativamente à sua punição. Desta forma, a finalidade de protecção dos bens jurídicos opõe-se aqui a qualquer pretensão de suspensão da execução da pena. VI - Quanto à indemnização, tendo presente que o ofendido, em consequência da lesão: -teve de receber tratamento hospitalar, primeiro no Hospital de L… e depois no Hospital de C…, para onde foi transportado e aí submetido a intervenção cirúrgica, que consistiu em drenagem torácica; -sofreu um período de doença com incapacidade para o trabalho desde o dia 13-08-2004, até ao dia 03-11-2004; -sofreu dores, antes e depois da intervenção; -teve crises de pânico, pelo que foi remetido para a consulta de psiquiatria; -esteve internado no serviço de psiquiatria do Hospital de S… por padecer de síndrome depressivo reactivo, continuando em tratamento com ansiolíticos; não se mostra que a indemnização de € 20 000 arbitrada seja exagerada, por desconforme «às regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida», caso em que se justificaria, segundo a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, uma intervenção correctiva, em conformidade com os seus poderes de revisão.
Proc. n.º 587/08 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
|