ACSTJ de 16-09-2008
Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Dupla conforme Confirmação in mellius Alteração da qualificação jurídica Escolha da pena Pena de prisão Princípio da necessidade Princípio da adequação Princípio da proporcionalidade Prevenção especi
I -Quer a lei adjectiva vigente, decorrente da publicação da Lei 48/2007, de 29-08, quer a prévigente, verificado certo pressuposto relativo à pena (gravidade da pena), estabelecem a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, quando confirmem a decisão da 1.ª instância. II - É maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena, mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução. III - Certo é que ao instituto da “dupla conforme”, como excepção ao princípio do direito ao recurso – constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP –, subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito. IV - Verificando-se que as instâncias se mostram em desacordo quanto à qualificação jurídica dos factos [enquanto a 1.ª instância qualificou os factos como preenchendo o crime de ofensa à integridade física grave, a 2.ª instância subsumiu-os à norma do n.º 1 do art. 143.º do CP – crime de ofensa à integridade física simples], não se pode considerar confirmatório o acórdão ora sob recurso, razão pela qual não é aplicável o instituto da “dupla conforme”, a significar que este STJ pode e deve conhecer o recurso. V - Por força do disposto no art. 18.º, n.º 2, da CRP, a aplicação de pena de prisão só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei penal visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade ou da racionalidade). VI - Daqui que a lei substantiva penal em matéria de aplicação das penas estabeleça um critério geral de escolha e de substituição, segundo o qual o tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição. VII - Assim, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, impõe a lei substantiva penal a aplicação preferencial da pena não privativa da liberdade sempre que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 70.º –, manda suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 50.º, n.º 1 –, e estatui que se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal a substitua por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 58.º, n.º 1. VIII - São, pois, considerações de natureza exclusivamente preventiva, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. IX - Quanto à função e ao papel a desempenhar por aquelas exigências preventivas, como nos dá conta Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 332-334), há que atribuir prevalência às considerações de prevenção especial, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão, prevalência que se manifesta a dois níveis: em primeiro, na decisão de aplicação da pena não privativa da liberdade (alternativa ou de substituição), a qual só se deve negar quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente; em segundo, na determinação da pena de substituição a eleger. X - A prevenção geral surge sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam irremediavelmente postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. XI - Vindo provado que o arguido já foi condenado, por duas vezes, pela autoria do crime de ofensa à integridade física simples, a primeira em Maio de 2001, a segunda em Julho de 2001, por factos perpetrados em Junho de 1999 e Dezembro de 1995, tendo sido punido com pena de multa, estamos perante delinquente sobre o qual este tipo de pena não exerceu efeito dissuasor e reintegrador, isto é, não foi suficiente para o afastar da criminalidade, pelo que não poderá ser-lhe aplicada, mais uma vez, pena de multa, impondo-se a cominação de pena de prisão. XII - Estando em causa a prática pelo arguido de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP, a que corresponde a moldura penal abstracta de 30 dias a 3 anos de prisão, e tendo em consideração que: -o arguido agiu com dolo directo, aparentemente sem que nada o justificasse ou minimamente explicasse o seu concreto comportamento; -do facto resultaram consequências gravosas para o ofendido, o qual sofreu múltiplas lesões na face, lábios, maxilar e globo ocular direitos, causadores de 99 dias de doença, com incapacidade para o trabalho; -as necessidades de prevenção especial, face às condenações já sofridas pelo arguido, são acentuadas; -as exigências de prevenção geral são também elevadas, ora reforçadas perante a onda de criminalidade que assola a comunidade; -no sector atenuativo nenhuma circunstância ocorre, posto que o arguido não se mostrou arrependido do facto, não o assumiu, nem sequer beneficia de bom comportamento; nada há a censurar à pena de 2 anos de prisão fixada pelo Tribunal da Relação. XIII - E, atendendo a que: -o comportamento anterior do arguido, marcado por duas condenações por crime de ofensa à integridade física simples, constitui factor negativo na formulação do juízo sobre o seu comportamento futuro; -a ausência de qualquer razão ou facto que minimamente explique a sua conduta delituosa e a forma como agrediu o ofendido constituem também factores negativos; -a não assunção dos factos e a ausência de arrependimento, indiciando a não interiorização do mal do crime, em nada contribuem também para a formulação de um juízo de prognose positivo; -o arguido negou o cometimento dos factos e tentou confundir a prova produzida, tendo alegado que na ocasião em que o evento teve lugar se encontrava noutro local e que a imputação do crime resultava de perseguição policial à sua pessoa, o que revela uma personalidade desprovida de valores éticos; não sendo admissível a formulação de um juízo positivo sobre o comportamento futuro do arguido, há que afastar a aplicação de pena de substituição.
Proc. n.º 2383/08 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Pires da Graça
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