Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 10-09-2008
 Concurso de infracções Cúmulo jurídico Pena única Imagem global do facto Pena cumprida Desconto Cúmulo por arrastamento Suspensão da execução da pena Fundamentação Omissão de pronúncia Nulidade da sentença Conhecimento oficioso
I -A formação da pena conjunta corresponde à reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida que os foi praticando (cf. Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, FDUC, 2005, pág. 1324). O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido pela prática do crime, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas a impor.
II - Como observa Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 420 e 421), a fundamentação da decisão que procede ao cúmulo jurídico de penas afasta-se da fundamentação geral prevista no art. 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e da personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressuposta nos factores de fixação da pena constantes do art. 71.º do CP. Na valoração global dos factos relevante é ponderar se eles expressam uma tendência ou uma “carreira” criminosa enraizada na personalidade do agente, que agravará o juízo censório pela infidelidade, sem reversão, ao direito, ou se, pelo contrário, são fruto de mera acidentalidade.
III - Tem sido pacífico o entendimento neste STJ de que o concurso de infracções não dispensa que os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer um deles, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se do âmbito da pena única os crimes praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária que englobe as infracções cometidas até essa data e cumule as praticadas depois desse trânsito.
IV - A Lei 59/2007, de 04-09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, a qual doravante será descontada no cumprimento da pena aplicável ao concurso de crimes (art. 78.º, n.º 1, do CP), deixando intocada a exigência de uma infracção ter sido praticada antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer outra (art. 77.º, n.º 1, do CP).
V - Assim, o momento determinante para a sujeição de um conjunto de crimes a uma pena única é, nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2, aplicável por força do art. 78.º, n.º 2, do CP, o trânsito em julgado da primeira condenação, pois os crimes praticados posteriormente a essa decisão transitada não estão em relação de concurso, devendo ser encarados e punidos na perspectiva da sucessão criminal.
VI - Esta jurisprudência afasta-se da do chamado “cúmulo por arrastamento”, que conheceu alguma aplicação neste STJ até 1997, mas que, divergindo dos termos legais, constituía uma forma de aniquilar a “teleologia” e a “coerência interna” do sistema, e “dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” – cf. Vera Lúcia Raposo, in RPCC, Ano 13, n.º 4, pág. 592, e Ac. deste STJ de 15-03-2007.
VII - Pelo contrário, nada na lei impede se proceda a dois cúmulos jurídicos autónomos, sucessivos, para cumprimento das respectivas penas de concurso.
VIII - Este STJ vem entendendo, de tempos recuados, que na formação da pena do concurso se deve proceder a uma compressão das penas parcelares residuais, remanescentes, decidindo-se até, como critério possível – que não está inscrito no texto legal –, que se deve descer até 1/3 da mesmas – cf. Ac. do STJ de 09-02-2006, Proc. n.º 109/06 -5.ª.
IX - Constitui jurisprudência deste STJ o entendimento de que o tribunal tem de fundamentar especificadamente a concessão ou denegação da suspensão da execução da pena, incorrendo-se, em caso de omissão, em nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, de conhecimento oficioso. Esta jurisprudência mostra-se caucionada pelo TC, que já decidiu, no seu acórdão n.º 61/06, de 18-01, que são inconstitucionais as normas dos arts. 50.º do CP e 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, do CPP quando interpretadas no sentido de não imporem a fundamentação daquelas concessão ou denegação.
X - E esta fundamentação não dispensa um julgado expresso, explícito, sobre a conveniência e oportunidade da suspensão, não podendo ver-se, quando a omissão sobre a questão é total, um julgado implícito resultante do facto de não ser curial o tribunal fixar a suspensão da pena do cúmulo em sucessão, considerando que os tribunais das diversas condenações se decidiram pela prisão efectiva.
Proc. n.º 1887/08 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral