Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 10-09-2008
 Competência do Supremo Tribunal de Justiça Admissibilidade de recurso Aplicação da lei no tempo Direitos de defesa Pedido de indemnização civil Decisão interlocutória Reconhecimento Valor probatório Toxicodependência Atenuação especial da pena C
I -Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos.
II - Da hermenêutica do corpo do art. 5.º do CPP, o qual estabelece a regra tempus regit actum, decorre que a lei processual penal é de aplicação imediata, ou seja, é aplicada a todos os actos praticados a partir da sua entrada em vigor, salvaguardando-se, obviamente, os actos já processados, os quais são plenamente válidos.
III - A lei (nova) não será imediatamente aplicável, porém, sempre que daí resulte sacrifício da posição processual do arguido, em particular do seu direito de defesa, bem como quando tal ocasione conflitualidade entre os diversos actos processuais (als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do CPP).
IV - Como refere Cavaleiro de Ferreira, do princípio geral segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido resulta que: se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o processo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; se a lei nova surge durante a marcha do processo são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, e serão submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados.
V - Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que, por efeito da sua aplicação, da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo. Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º.
VI - No caso dos autos, a aplicação imediata da lei nova iria limitar os direitos de defesa do arguido, visto que lhe iria retirar um grau de jurisdição, pois que, estando em causa uma dupla conforme, e conquanto dois dos crimes perpetrados pelo arguido sejam puníveis com pena de prisão superior a oito anos, o mesmo foi condenado em pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão.
VII - Nesta conformidade, e porque o processo em apreço teve início antes da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, atento o disposto na al. a) do n.º 2 do art. 5.º do CPP, é de considerar que este Supremo Tribunal mantém a competência para conhecimento do recurso.
VIII - Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 400.º do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
IX - Assim, num caso, como o dos autos, em que o recorrente foi condenado a pagar à demandante a importância de € 3000 (inferior, portanto, a metade da alçada do tribunal de que se recorre) é irrecorrível o acórdão impugnado na parte em que julgou o pedido de indemnização civil deduzido por aquela, que deve nesta parte ser rejeitado – arts. 420.º, n.º 1, e 414.º, n.º 2, do CPP.
X - Como este Supremo Tribunal vinha afirmando em diversas decisões proferidas antes da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, e afirma face à redacção dada por aquele diploma à al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, abrange todas estas decisões (processualmente denominadas de interlocutórias), independentemente da forma como o respectivo recurso é processado e julgado pela Relação, isto é, quer o recurso seja autónomo quer seja inserido em impugnação da decisão final.
XI - Com efeito, a circunstância de certa e determinada decisão que não conheça, a final, do objecto do processo não haver sido impugnada autonomamente, antes em conjunto com a sentença, acórdão ou decisão final, não tem a virtualidade de alterar o regime previsto naquele preceito, visto que a lei não estabelece ali qualquer distinção, estatuindo a irrecorribilidade, tout court, de todas as decisões proferidas, em recurso, pela Relação, que não conheçam, a final, do objecto do processo.
XII - Assim, a decisão da Relação que apreciou, em recurso, a invalidade da prova por reconhecimento e decidiu no sentido da validade da mesma é irrecorrível.
XIII - Embora se reconheça que a toxicodependência é susceptível de limitar e de condicionar a vontade e a capacidade de determinação e de decisão, o que em matéria de culpa pode constituir motivo de atenuação (geral), a verdade é que em matéria de prevenção constitui sério motivo de preocupação, posto que constitui um factor criminógeno da maior importância, apontando no sentido de acrescidas necessidades de socialização, sendo de afastar a aplicação do instituto da atenuação especial da pena.
XIV - Importante na determinação concreta da pena conjunta será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.
XV - Resultando dos autos que os crimes em concurso (sete crimes de roubo, sendo dois deles agravados), perpetrados entre Junho e Agosto de 2006, denotam um factor ou elemento comum, posto que todos eles foram motivados pela toxicodependência do arguido, concretamente pela necessidade de obtenção de valores para a aquisição de heroína, e pese embora a acentuada gravidade de dois deles, não se deve atribuir ao arguido tendência ou propensão criminosa.
XVI - Considerando que o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão por cada um dos dois roubos agravados e na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos cinco crimes de roubo que praticou, não merece qualquer censura a pena conjunta de 7 anos de prisão imposta pelas instâncias.
Proc. n.º 1959/08 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa (com voto de vencido quanto à questão da admissibilidade do recurso, por entender que, «tendo a decisão recorrida sido proferida depois de 15.9.2007, é aplicável