Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 10-09-2008
 Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Dupla conforme Revogação da suspensão da execução da pena Coacção sexual Coacção grave Suspensão da execução da pena Condições pessoais Decurso do tempo Pagamento da indemnização
I -O acórdão da Relação que revoga a suspensão da execução da pena, que é uma pena diferente da pena de prisão efectiva, não confirma o acórdão da 1.ª instância que havia aplicado aquela suspensão, pelo que não tem aplicação a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
II - Estando em causa a prática, em concurso real, de dois crimes de coacção sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 163.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, e de um crime de coacção grave, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, al. a), todos do CP, e tendo em consideração que: -nos crimes de natureza sexual, escasso ou nulo relevo assume a inserção social do agente [que tem um percurso vivencial sem motivos de reparo, trabalho assegurado e apoio familiar], já que é muito frequente a prática desses ilícitos por parte de pessoas bem inseridas e apresentando-se, sob a generalidade dos pontos de vista, como cidadãos normais e cumpri-dores das regras legais e sociais – não é a marginalidade social que leva essas pessoas a praticar crimes sexuais, mas antes o desejo de satisfazer a lascívia, que o estatuto social “respeitável” não consegue controlar; -o decurso de vários anos sobre a prática dos crimes (ocorridos em 2003) também não é uma atenuante de valor, já que resultou da normal tramitação do processo (sucessivos recursos, alguns deles interpostos pelo recorrente); -o pagamento da indemnização arbitrada à vítima e a apresentação voluntária para cumprimento da pena de prisão, sendo factos positivos, não se revestem de um valor especialmente relevante; -são muito acentuadas a ilicitude e a culpa, não se podendo escamotear que a violência sexual é em grande parte praticada no interior da família, aproveitando-se os agentes do ascendente que possuem sobre as vítimas e das facilidades que a proximidade e o conhecimento dos passos das mesmas lhes dão para concretizar os seus propósitos, ao que acresce que o carácter traumático que esses crimes sempre envolvem resulta reforçado quando exercido por familiares próximos; -a par da violência sexual, a violência das ameaças e a destruição da imagem de respeito e tutela que os familiares mais velhos sempre imprimem nos mais novos, conjugadas, geram uma situação de traumatismo profundo, que pode ter consequências não só duradouras como até irremovíveis no mundo interior da vítima; -a censura social deste tipo de delinquência, durante décadas pouco valorado ou mesmo escamoteado, tem vindo a aumentar – a autodeterminação sexual é um bem jurídico altamente valorizado na sociedade contemporânea, devendo por isso a sua violação ser fortemente censurada a nível penal; -não é possível formular um juízo de prognose minimamente seguro quanto ao comportamento futuro do recorrente neste domínio, pois a inserção social não constitui fundamento suficiente para tanto, ao que acresce que a suspensão da execução da pena não satisfaria as finalidades preventivas, nem mesmo as retributivas, das penas; é de concluir ser inviável a pretensão do recorrente, de ver suspensa a execução da pena única de 4 anos de prisão em que foi condenado.
Proc. n.º 2032/08 -3.ª Secção Maia Costa (relator) Pires da Graça