ACSTJ de 03-09-2008
Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Ilicitude consideravelmente diminuída Suspensão da execução da pena
I -O art. 21.° do DL 15/93, de 22-01, define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime. II - Trata-se de um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que, para a sua consumação, não se exige a verificação de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública, na dupla vertente física e moral), como patenteiam os vocábulos definidores deste tipo fundamental – «cultivar», «produzir», «fabricar», «comprar», «vender», «ceder», «oferecer», «detiver». III - O crime em causa não exige que a detenção se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita ou a acção de a proporcionar a outrem, ainda que a título gratuito; basta que o estupefaciente não se destine, na sua totalidade, ao consumo do próprio, para tal crime estar perfectibilizado – cf., neste sentido, os Acs. do STJ de 24-11-1999, Proc. n.º 937/99, e de 01-7-2004, Proc. n.º 04P2035, in www.dgsi.pt. IV - Não é imprescindível que se identifiquem compradores para que se comprove a venda, nem é imprescindível esta para que se verifique o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.°, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01. V - Por sua vez, o art. 25.º do mesmo diploma legal refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns dos quais o preceito enumera a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados). VI - Para aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25.º haverá de se proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras – cf. Ac. do STJ de 07-12-1999, Proc. n.º 1005/99. VII - A tipificação do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, parece ter o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º. VIII - Ao indagar do preenchimento do tipo legal do art. 25.º, haverá que proceder a uma valorização global do facto, sopesando todas e cada uma das circunstâncias aí referidas, para além de outras (cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 02-11-2006, Proc. n.º 3388/06). O que se torna necessário é que ilicitude do facto se mostre diminuída de forma considerável, ou seja, como diz a lei, consideravelmente diminuída. IX - Resultando da factualidade apurada que: -os arguidos agiam conjunta e concertadamente, desde há algumas semanas antes de serem detidos, na venda de cocaína/heroína, em média a 5 consumidores por dia; -ao serem detidos tinham na sua posse 45,369 g de heroína e 1,619 g de cocaína; -actuavam na residência ou proximidades, vendendo de forma directa aos consumidores; -foram-lhes ainda apreendidos valores e objectos (um total de € 2491,82 – dividido nos montantes de € 45; € 1800; € 249,60; € 241; e € 156,22 –, onze telemóveis, um relógio, um computador portátil e respectivos acessórios, dois anéis, três pares de brincos, um brinco, dois berloques e uma cruz, objectos estes em metal prateado), tudo produto das vendas de estupefacientes efectuadas; há que concluir não estarmos perante uma diminuição considerável da ilicitude do facto, susceptível de permitir a punição pelo crime de tráfico de menor gravidade. X - Tendo a arguida E sido condenada numa pena de 4 anos de prisão – medida concreta de pena de prisão que é actualmente (com as alterações ao CP introduzidas pela Lei 59/2007, de 04-09) susceptível de suspensão na sua execução, atento o disposto no art. 2.º, n.º 4, do CP –, mas não sendo possível, face à natureza, gravidade e circunstâncias do crime, concluir que a suspensão da execução da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou formular um juízo de prognose favorável à socialização em liberdade (note-se que apesar de não ter antecedentes criminais, a arguida não “desempenha qualquer actividade profissional estável” e “foi-lhe retirado o RSI há cerca de dois anos por incumprimento do plano de inserção”), é de afastar a aplicação desta pena de substituição.
Proc. n.º 2192/08 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
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