Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 03-09-2008
 Responsabilidade civil emergente de crime Absolvição crime Presunção de culpa Comissário Responsabilidade pelo risco Indemnização Danos patrimoniais Incapacidade para o trabalho Danos futuros Equidade
I -O art. 377.º, n.º 1, do CPP [a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do art. 82.º, n.º 3] tem em vista somente as situações em que, apesar de o arguido ser absolvido pelos factos que constituem ilícito criminal, permaneçam factos que constituam responsabilidade civil objectiva, nos termos previstos no art. 483.º, n.º 2, do CC, ou seja, tem de existir necessariamente a mesma causa de pedir, isto é, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal. Somente a responsabilidade contratual é excluída do campo do art. 377.º, n.º 1, do CPP.
II - Com o Assento de 14-04-1983 fixou-se que o n.º 3 do art. 503.º do CC estabelece, quanto aos danos causados pelo condutor de veículo por conta de outrem, uma verdadeira presunção de culpa.
III - Conduzir por conta de outrem pressupõe a existência de uma relação de comissão entre o condutor e o proprietário (usufrutuário, locatário financeiro, etc.). Com vista a poder eximir-se de responsabilidade, atentas as regras do ónus da prova, cabe à R. Seguradora a alegação e subsequente prova de uma relação de comissão e, de seguida, ao A. compete ilidir a presunção que sobre ele pende. Não havendo matéria de facto que permita a imputação do acidente a título de culpa – efectiva ou presumida – sobra a aplicação ao caso das regras pertinentes à responsabilidade objectiva, mais concretamente ao estatuído pelo art. 506.º do CC, relativas à colisão de veículos.
IV - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º, todos do CC).
V - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja essencialmente onerosa para o devedor e (sem prejuízo do preceituado noutras disposições) tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
VI - Resultando da factualidade assente que: -as lesões resultantes directa e necessariamente do acidente determinaram ao ofendido um coeficiente global de incapacidade de 0,580168 e uma incapacidade permanente e absoluta para o exercício da sua profissão habitual, bem como para a actividade agrícola; -alguns dias da semana, fora do horário laboral e com especial incidência ao sábado e domingo de manhã, o demandante trabalhava para si, na agricultura, em terras próprias e outras trabalhadas por mero favor, produzindo bens para consumo próprio, nomeadamente milho, feijão, batatas, couves, cebolas, alhos, cenouras, vinho e pastos com que alimentava animais domésticos que criava para consumo próprio, como porcos, cabras e aves de capoeira, actividade que continua a ser exercida pelos familiares do ofendido; -o demandante tinha, à data do acidente, 42 anos de idade, sendo que poderia ter ainda mais 28 anos de vida activa, até aos 70 anos, que pode ser considerada idade da esperança normal de vida; e tendo em consideração que: -finda a vida activa, por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a sua vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades (cf. Ac. do STJ de 28-09-1995, CJ STJ, tomo 3, pág. 36); -como salienta a jurisprudência, nomeadamente o Ac. do STJ de 26-05-1993 (CJ STJ, tomo 3, pág. 36), no tocante ao dano futuro é extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização: «Os múltiplos factores a ter em conta e o seu carácter aleatório (idade da vítima, tempo provável da sua vida activa, variação dos seus rendimentos do trabalho, estabilidade da respectiva situação profissional, desvalorização da moeda pela inflação, necessidades económicas dos titulares do direito a alimentos e respectiva duração, etc.) implicam o recurso à equidade»; -quem trabalha também consome, havendo despesa que mesmo sem trabalho sempre seriam feitas (caso da alimentação), quem trabalha também se desgasta, o que se reflecte, naturalmente, numa menor produtividade, e, por outro lado, o lesado poderia eventualmente obter rendimentos de outra proveniência, que diminuíssem a gravidade do dano; julga-se adequada a quantia arbitrada, de € 15 000, a título de indemnização pela perda de rendimentos agrícolas.
Proc. n.º 2386/08 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges