Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 03-09-2008
 Recurso de revisão Novos factos Novos meios de prova Conhecimento superveniente Graves dúvidas sobre a justiça da condenação Perícia psiquiátrica
I -O fundamento de revisão de sentença previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3).
II - Segundo Cavaleiro de Ferreira (Revisão Penal, Scientia Iuridica, Tomo XIV, n.ºs 75/76, pág. 522, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª ed., pág. 137, e no acórdão de 25-01-2007, Proc. n.º 2042/06 -5.ª): «Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos. Factos probandos em processo penal são ainda de duas espécies, para esquematicamente os compreender. Em primeiro lugar, os factos constitutivos do próprio crime, os seus elementos essenciais; em segundo lugar, os factos, dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime. (…) Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir “tema” da prova. Elementos de prova, são as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência do crime ou seus elementos».
III - Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos do fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, esclarece Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, 16.ª edição, 2007, Almedina, pág. 982) que deve «entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no pro-cesso que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar».
IV - Noutro entendimento, de que é exemplo o acórdão de 09-04-2008, no Proc. n.º 675/08 desta Secção, é condição de procedência do recurso a novidade dos factos ou meios de prova, o que implica que eles fossem ignorados pelo arguido ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento.
V - Sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, como se diz no aludido acórdão de 09-04-2008, os novos factos ou meios de prova deverão provocar graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para absolvição do arguido em julgamento.
VI - Numa situação em que: -o indicado novo meio de prova é constituído por um relatório clínico psiquiátrico, datado de 20-09-2007, que teve por suporte entrevista ao arguido, fundando-se nas declarações por este prestadas, e no qual se conclui que «Clinicamente, sob o ponto de vista da Psiquiatria e tendo por base o acima descrito, existe forte presunção de que naquele momento o examinando, P, estaria com um acentuado estreitamento da consciência e sem adequado modo de poder formular juízos de valor dos actos ou acções.» (sic) «Assim, embora sem critérios absolutos de inimputabilidade, entende-se existirem circunstâncias clínicas a induzirem atenuação da pena»; -com a apresentação desse novo meio de prova pretende o recorrente que seja dado como provado o que foi dado como não provado na decisão a rever, no segmento em que não foi considerado que a sua conduta tivesse sido produzida por uma alteração do estado de consciência, em decorrência da influência da esfera afectiva; -o relatório ora apresentado como novo meio de prova peca por defeito, no mesmo ponto em que o arguido apontava omissão ao anterior [falta de qualquer referência ao homicídio tentado praticado pelo recorrente em 1998 na pessoa de uma anterior namorada], com a diferença de que o perito que elaborou o relatório de 2004 [por solicitação do tribunal para avaliação das capacidades de entendimento e autodeterminação do arguido], para além de referenciar o homicídio tentado, complementou o parecer em sede de audiência de julgamento, prestando esclarecimentos que foram determinantes para a formação da convicção do tribunal, e que, feito o confronto entre os dois, ressalta que o primeiro se encontra mais bem elaborado, completo e fundamentado, tendo o perito procedido então a análise dos autos, desde o auto de notícia, passando pelo auto de interrogatório e pela acusação, tendo em conta a versão do examinado, mas não se cingindo a ela, como acontece com o novo documento, sendo a exposição mais abrangente e elaborado o relatório em data mais próxima dos factos que levaram à condenação;o novo relatório não corresponde propriamente ao resultado de uma “descoberta” de um novo meio de prova, consubstanciando antes a formulação de um diverso juízo sobre o estado de consciência do arguido, decorridos cerca de quatro anos sobre a data da prática dos factos, que não reveste força necessária para pôr em xeque a convicção do tribunal do júri formada na sequência do julgamento, não abala a conclusão presente no relatório de 2004 [«Levando-se em conta a génese e dinâmica do ilícito, assim como os antecedentes criminais do examinado (no passado, até onde apuramos a partir dos elementos colhidos nos autos, envolvido num crime de homicídio tentado) e de aspectos da sua personalidade, nomeadamente uma não repercussão afectiva pelo ocorrido, acreditamos que o examinado possua um grau de periculosidade acima da média da população. No que se refere ao acto ilícito perpetrado pelo examinado, somos de opinião que o mesmo ao realizá-lo era imputável»].
VII - Assim, o pedido terá de improceder, não só porque o arguido apenas pretende redução de pena, que não pode justificar a revisão, como porque o relatório ora apresentado não integra meio de prova de factos indiciantes da existência ou inexistência dos elementos essenciais do crime de homicídio qualificado pelo qual o recorrente foi condenado, não se mos-trando, por isso, preenchido o primeiro dos pressupostos do fundamento de revisão de sentença previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
Proc. n.º 1661/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis