ACSTJ de 03-09-2008
Responsabilidade civil emergente de crime Ofensa à integridade física por negligência Indemnização Direito à vida Danos não patrimoniais Equidade Morte do feto
I -Estatui o n.º 3 do art. 496.º do CC (danos não patrimoniais) que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º (o grau de responsabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso); no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior (cônjuge, filhos ou outros descendentes e, na falta destes, os pais). As circunstâncias referidas no citado n.º 3 do art. 496.° do CC integram a gravidade da lesão – cf. Vaz Serra, RLJ, 113.º, pág. 96. II - Para determinar o montante de indemnização por danos não patrimoniais, há que atender à sensibilidade do indemnizando, ao sofrimento por ele suportado e à sua situação sócioeconómica. E há também que tomar em linha de conta o grau de culpa do agente, a sua situação sócio-económica e as demais circunstâncias do caso. III - Relativamente aos danos não patrimoniais próprios, há que ter em atenção que a indemnização pelos danos não patrimoniais visa, simultaneamente, compensar o lesado e sancionar o lesante. E, como refere alguma jurisprudência, equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. IV - Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 2.ª ed., pág. 435), «o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado … segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida». V - Também Leite de Campos (in A Indemnização do Dano da Morte, pág. 12) ensina que nos danos não patrimoniais «a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de determinação exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade». VI - Sem se cair em exageros, a indemnização, como refere certa jurisprudência, deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas. Por outro lado, como se diz no Ac. deste STJ de 28-02-2008 (in www.dgsi.pt) «nada impede que … se arbitre indemnização por danos não patrimoniais, a uma vítima sobrevivente de um acidente de viação, superior ao montante médio atribuído pela jurisprudência ao dano morte». VII - A perda do feto é indemnizável, não pela perda do direito à vida mas a título de danos não patrimoniais sofridos pela demandante, não devendo, a nosso ver, ser superior à que seria devida pela perda da vida de um recém-nascido. VIII - Assim, decorrendo da matéria de facto assente que: -a demandante perdeu um filho que tinha no ventre, com 32 semanas de gestação (8 meses), altura em que faltava apenas cerca de um mês para o respectivo nascimento; -aquele filho era muito desejado pela demandante, que desenvolvia todos os cuidados adequados ao seu são desenvolvimento, fazendo exames regulares juntos dos médicos; -com a morte do feto a demandante sofreu um desgosto profundo, diminuição e sofrimento; -todos os sonhos e projectos que a demandante ansiava concretizar com o nascimento do filho se desmoronaram em instantes, de forma inesperada e violenta; -durante cerca de 3 anos teve o espectro de não mais poder ter filhos, o que também lhe causou desgosto e constrangimento; -como consequência do sofrimento físico e psíquico por que passou, a demandante tornou-se uma pessoa triste, revoltada e marcada pela perda de um filho; -a demandante sofreu ainda extensas e graves lesões que lhe provocaram perigo para a vida, 240 dias de doença com incapacidade para o trabalho, dores, internamento hospitalar e intervenções cirúrgicas, das quais por sua vez resultaram grandes e grosseiras cicatrizes no abdómen, antebraço e membro inferior esquerdo, o que lhe causou ansiedade, aflição, desgosto, diminuição e constrangimento. Para além das cicatrizes, como lesões e sequelas relacionadas com o acidente, apresenta marcha dolorosa e claudicante com dores no pé direito e na coxa esquerda sobretudo, alteração da visão do olho direito e esquecimento e cansaço fácil; e tendo em consideração os valores que têm vindo a ser fixados por este STJ pelo direito à vida, afigura-se justa e adequada uma indemnização de € 30 000, a atribuir à demandante pela perda do feto; e uma indemnização de € 40 000 pelos restantes danos estéticos e morais por ela sofridos.
Proc. n.º 2389/08 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
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