ACSTJ de 03-09-2008
Admissibilidade de recurso Aplicação da lei processual penal no tempo Sentença Pena de multa Acórdão da Relação Absolvição
I -Considerando o regime de recursos na redacção em vigor anteriormente às alterações introduzidas pela Lei 48/2007, de 29-08, num caso em o arguido foi condenado, na 1.ª instância, por sentença de 28-06-2007, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP, punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, numa pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 10, não era admissível recurso do acórdão da Relação que sobre aquela decisão incidisse, uma vez que o art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP previa a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que tivessem por objecto crime a que, em abstracto, correspondesse pena não superior a 5 anos de prisão. II - De igual forma, não seria admissível recurso da parte civil, pois que o valor do pedido não era superior à alçada do tribunal recorrido (o da Relação), que é agora de € 30 000 (e era anteriormente de € 14 963,94, sendo a da 1.ª instância de € 3740,98 – cf. art. 5.º do DL 303/2007, de 24-08, que alterou o art. 24.º da Lei 3/99, de 13-01). III - Face ao actual regime de recursos – arts. 400.º (decisões que não admitem recurso) e 432.º (recurso para o Supremo Tribunal de Justiça) do CPP –, introduzido pela Lei 48/2007, de 29-08, verifica-se uma lacuna da lei no que respeita à admissibilidade de recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pela Relação, em 18-02-2008, que, conhecendo a final do objecto do processo, revoga a decisão condenatória da 1.ª instância e absolve o(s) arguido(s), como ocorreu nos presentes autos. IV - E nem se pode dizer que, não estando a situação em apreço a coberto da previsão de qualquer das alíneas do art. 400.º, n.º 1, do CPP, respeitantes aos casos de inadmissibilidade de recurso, por força de um raciocínio a contrario seria possível concluir pela admissibilidade do recurso. É que uma tal interpretação iria contra o pensamento legislativo subjacente à nova redacção do art. 400.º do CPP: diminuir os recursos para o STJ, reservando-os para os casos mais graves, de relevante complexidade ou de elevado valor, e deles excluindo os casos de menor gravidade, mais ligeiros, sobretudo as bagatelas penais. V - Por outro lado, a aceitação desta posição conduziria a situações incompreensíveis e por certo não queridas pelo legislador: o recurso seria admissível para casos, como o presente, em que o acórdão da Relação (absolutório) tivesse revogado a decisão da 1.ª instância (condenatória, pois tinha aplicado pena de multa), mas já não o seria se o acórdão da Relação (confirmando ou não a decisão da 1.ª instância) condenasse em pena de multa. VI - A intenção do legislador, quer com a Lei 59/98, de 25-08, quer com a Lei 48/2007, de 2908, foi a de reservar o recurso para o STJ para os casos ou situações mais graves, isto é, para os casos de relevante complexidade ou de elevado valor. Assim, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP – nova redacção – é admissível recurso para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito. E, também por isso, não lhe incumbe, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de decisão final de tribunal colectivo que condene em pena não superior a 5 anos de prisão. VII - Ora, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. d), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, era admissível o recurso para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito. Porém, não era admissível recurso (para o STJ) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, em processo por crime a que fosse aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o MP tivesse usado da faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3. VIII - Sendo assim, é de concluir que o legislador, no regime da admissibilidade de recursos para este Supremo Tribunal, não se quis afastar do patamar mínimo da pena superior a 5 anos de prisão. IX - No caso dos autos – em que o arguido, na 1.ª instância e perante tribunal singular, foi condenado em pena não privativa de liberdade, concretamente em pena de multa e, em recurso, no tribunal da Relação, foi absolvido –, conquanto a Relação não haja confirmado a decisão da 1.ª instância, deve entender-se que, tratando-se de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos (no caso, prisão até 3 anos), a lei não exige o pressuposto da chamada “dupla conforme” referida no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, pois a gravidade de tais crimes não justifica mais de um grau de recurso seja qual for o sentido da decisão da Relação (cf. Ac do STJ de 06-12-2007, Proc. n.º 3752/07 -5.ª). X - A decisão, quanto à parte crime, é, pois, irrecorrível para o STJ, tomando em linha de conta simplesmente a pena aplicável ao crime, sendo que ao crime em questão não é aplicável pena de prisão não superior a 5 anos (cf. Ac. do STJ de 28-02-2008, Proc. n.º 98/08 -5.ª). XI - O entendimento sufragado não acarreta qualquer diminuição das garantias de defesa, nem prejudica o arguido ou limita o seu exercício do direito ao recurso, uma vez que a Lei nova ao não ampliar o direito ao recurso também o não restringiu, mantendo-se o seu âmbito legal, como vinha sendo entendido, sendo certo que o art. 32.º, n.º 1, da CRP não garante a existência de um duplo grau de recurso, mas tão-só de um recurso, que foi efectivamente exercido pelo arguido. XII - Relativamente à parte cível, embora o recorrente seja completamente omisso a esse respeito nas conclusões com que remata a sua motivação, a verdade é que, sendo o pedido formulado no montante de € 5000, não restam dúvidas de que o recurso, também nesta parte, não é legalmente admissível face ao estatuído no art. 400.º, n.º 2, do CPP (o valor do pedido do demandante não atinge sequer o valor da alçada do tribunal recorrido).
Proc. n.º 1883/08 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
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