Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 03-09-2008
 Aplicação da lei penal no tempo Regime concretamente mais favorável Prescrição das penas Contumácia Suspensão da prescrição Acórdão para fixação de jurisprudência Declaração de inconstitucionalidade Habeas corpus Prisão ilegal
I -Perante a questão da sucessão de leis penais surge, como consequência teórica e prática mais importante, o princípio segundo o qual a proibição só vale a favor do agente, não contra ele, o que se consubstancia no princípio da aplicação da lei ou regime mais favorável.
II - Tal regime não se cinge a segmentos: como refere Figueiredo Dias, o juízo complexivo de maior favor não deve resultar apenas, em princípio, da contemplação isolada de um elemento do tipo legal, ou da sanção, mas da totalidade do regime a que o caso se submete, o que significa que devem comparar-se regimes legais – como estabelece o art. 2.º, n.º 4, do CP –, e não normas de um e de outro regime, num delicado jogo de engenharia jurídica.
III - No que concerne especificamente ao regime prescricional da pena em função da declaração de contumácia, verifica-se que, quer em relação à suspensão, quer em relação à interrupção da prescrição, inexistia qualquer referência normativa na redacção primitiva do CP.
IV - A estrutura prescricional da pena, naquela redacção, estava em perfeita consonância com a estrutura do CPP29. Porém, apesar da profunda alteração do diploma adjectivo com o CPP87, designadamente com a abolição do processo de ausentes e a previsão do instituto da contumácia, não foram introduzidas quaisquer adaptações no regime da prescrição da pena criminal previsto no CP, nomeadamente no da sua suspensão.
V - Tal descontinuidade legislativa entre a lei penal e a lei processual foi resolvida pela alteração introduzida no CP com o DL 48/95, de 15-03, passando a constar do art. 123.º daquele diploma a vigência da declaração de contumácia como causa de suspensão da prescrição da pena.
VI - Quanto à questão de saber se já anteriormente a essa alteração se devia entender que a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição da pena ocorreram dois momentos distintos em termos de orientação jurisprudencial: um primeiro, no sentido afirmativo, plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 19-10-2000, e um outro, em sentido oposto, com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 09-04-2008, que, embora se cinja à relação entre declaração de contumácia e prescrição do procedimento criminal, tem inteira aplicação quanto à mesma relação entre contumácia e prescrição da pena. VII-Igualmente o TC, em 12-03-2008 (Ac. n.º 183/2008), declarou, com força obrigatória geral, que «Não estando a declaração de contumácia legalmente prevista como causa de suspensão da prescrição nem estando a suspensão da prescrição legalmente prevista como um efeito necessário da declaração de contumácia, torna-se evidente que – dentro dos limites do princípio garantístico da legalidade – não se poderá considerar que a declaração de contumácia (enquanto acto normativamente previsto no artigo 336º do Código de Processo Penal) constitua já à luz da redacção originária do artigo 119º, nº 1, do Código Penal uma causa legalmente prevista de suspensão da prescrição».
VIII - Assim, porque a lei penal vigente no momento da prática da infracção imputada à arguida (o CP82, na sua versão originária) não permite qualquer aferição em função do instituto da contumácia, o prazo prescricional de 10 anos (art. 122.º, n.º 1, al. c), do CP) deve ser computado em relação ao momento do trânsito em julgado da respectiva decisão: tendo este ocorrido em 26-11-1996, a pena prescreveu em 26-11-2006.
IX - A prisão que a requerente sofre, desde 07-07-2008 até à presente data, é, pois, ilegal, devendo a mesma ser restituída, de imediato, à liberdade.
Proc. n.º 2558/08 -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes Pereira Madeira