ACSTJ de 25-07-2008
Tráfico de estupefacientes Tráfico de estupefacientes agravado Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Recurso da matéria de facto Recurso da matéria de direito Competência da Relação Competência do Supremo Tribunal de Justiça Conhecimento
I -Não obstante no art. 434.º do CPP, quando se definem os poderes de cognição do STJ, ser feita referência expressa ao art. 410.º, n.ºs 2 e 3, o conhecimento da existência destes vícios encontra-se subtraído à alegação de recurso. É que ao recorrente já foi dada oportunidade para invocar a existência de tais vícios no recurso para a Relação, o qual abrange matéria de facto e matéria de direito. No recurso de revista, agora restrito à matéria de direito, só é lícito ao Supremo pronunciar-se oficiosamente a respeito dos mencionados vícios, como modo de evitar a contingência de ter de aplicar o direito a factos que se revelem ostensivamente insuficientes, fundados em erro de apreciação ou assentes em premissas contraditórias. II - Nos termos da al. b) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, o crime é agravado «se as substâncias ou preparações forem distribuídas por grande número de pessoas». III - “Grande número de pessoas” é um conceito indeterminado, utilizado pelo legislador na sua luta contra a disseminação da droga, que traduz um aumento da ilicitude da actividade delituosa, sendo, por isso, considerado agravante especial. O seu preenchimento está dependente da análise casuística a que o julgador tem de proceder, sendo distintos os casos em que a venda é feita ao toxicodependente e aqueles outros em que a distribuição é feita pelo grande traficante ao revendedor; nestes, será de atender especialmente à quantidade de droga transaccionada, de sorte que, ainda que seja menor o número de compradores, o conceito acaba preenchido pelo destino final que as referidas quantidades proporcionam, enquanto que na venda levada a efeito pelo pequeno dealer se exige uma quantificação mais alargada, pois é através da repetição de pequenas quantidades distribuídas que se cumpre o objectivo visado pela agravante. IV - Resultando da matéria de facto provada que: -o recorrente, juntamente com a arguida C, forneciam cocaína e heroína ao arguido M, cerca de 20 g de cada vez, cinco a seis vezes por semana, actividade que se prolongou, pelo menos, desde Setembro de 2003 até 22-01-2004; -o arguido M, por sua vez, procedia à venda do estupefaciente, quer na sua casa, quer no café …; -na execução do planeado com o recorrente e com a arguida C, o arguido M, que procedia à venda directa aos consumidores, recrutou diversos indivíduos, que permaneciam na sua residência praticando os actos de venda, sendo na ordem das dezenas o número de indivíduos que diariamente ali se deslocavam para adquirirem droga, tendo sido possível identificar cerca de vinte desses indivíduos; -o recorrente abastecia semanalmente o arguido N, com 100 g de cocaína e 100 g de heroína, bem como o arguido CR, filho da arguida C, que, por sua vez, propôs aos arguidos H e N que procedessem à venda do produto estupefaciente que lhes fornecesse; -o recorrente contactou MR, a quem forneceu, para revenda, desde antes de Junho a Setembro de 2004, dia sim, dia não, 100 a 150 g de heroína e de cocaína; -o recorrente movimentava diariamente avultadas quantias em dinheiro provenientes do tráfico de estupefacientes; pode concluir-se, com toda a segurança, que o estupefaciente que o recorrente transaccionava era distribuído por um grande número de pessoas, verificando-se, assim, indesmentivelmente, a agravante da al. b) do art. 24.º do DL 15/93. V - A medida da pena aplicada ao recorrente – 10 anos de prisão [pela prática do crime dos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, als. b) e i), do DL 15/93, de 22-01] – mostra-se proporcionada às necessidades de prevenção, quer geral, quer especial, e à culpa do arguido, uma vez que a ilicitude e o dolo são elevados: o arguido era o mentor de uma rede de distribuição de heroína e cocaína, drogas duras, cuja nocividade é muito elevada, pelos efeitos de adição que provocam, sendo elevadas as quantidades com que negociava; agiu com dolo directo, muito intenso; estava inscrito nas Finanças como comerciante de automóveis, para melhor dissimular a actividade delituosa, sem que lhe fosse conhecido estabelecimento ou contacto ou negócio; guardava habitualmente a droga em locais distintos da sua residência; nessa actividade intervieram diversos jovens, que o arguido, directamente ou por interposta pessoa, angariava como forma de aumentar a distribuição dos estupefacientes, a actividade prolongou-se por bastante tempo, tendo sido a intervenção policial que lhe pôs fim e dela auferia o arguido os seus rendimentos, movimentando diariamente avultadas quantias em dinheiro, produto da venda de estupefacientes.
Proc. n.º 589/08 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Souto Moura
António Colaço
* Sumário elaborado pelo relator
** Sumário revisto pelo relator
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