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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 25-07-2008
 Burla qualificada Recurso penal Recurso cível Admissibilidade de recurso Rejeição de recurso Rejeição parcial Pedido de indemnização civil Aplicação da lei processual penal no tempo Indemnização Lesado Assistente Pessoa colectiva
I -O arguido foi condenado pelo crime de burla qualificada dos arts. 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), do CP, a que corresponde uma pena aplicável de 2 a 8 anos. A pena aplicada, que a Relação confirmou, foi de 5 anos de prisão.
II - Tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção actual, são irrecorríveis os «acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos». Na redacção da norma anterior à Lei 48/2007, de 29-08, eram irrecorríveis os «acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo no caso de concurso de infracções».
III - No caso presente, estão preenchidos todos os requisitos de que, tanto a lei vigente como a lei anterior, fazem depender a irrecorribilidade da decisão. Na verdade, foram proferidos dois acórdãos condenatórios, da 1.ª e da 2.ª instâncias, ocorrendo confirmação do primeiro pelo segundo, e condenação, nas duas instâncias, em pena claramente inferior a 8 anos de prisão. Rejeita-se, pois, o recurso interposto, no concernente à parte penal, de acordo com os arts. 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 2, 432.º, al. b), e 400.º, n.º 1, al. f), todos do CPP.
IV - Na sua anterior redacção, o n.º 2 do art. 400.º do CPP dizia que «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada». Tendo em conta esta redacção do preceito, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2002 deste STJ (publicado no DR n.º 117, I-A, de 21-05-2002) estabeleceu que «No regime do Código de Processo Penal vigente -n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto -não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».
V - Acontece que, na redacção introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, o art. 400.º do CPP recebeu um n.º 3, nos termos do qual «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».
VI - Tanto a decisão recorrida como a interposição de recurso tiveram lugar depois da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08. Atendendo ao princípio tempus regit actum que o art. 5.º do CPP consagrou, no seu n.º 1, a admissibilidade do recurso da parte cível impõe-se, no caso dos autos, porque não há lugar a qualquer das excepções previstas no n.º 2 do artigo. Está-se perante uma lei nova que faculta um recurso, negado pela lei anterior (tendo em atenção a aludida jurisprudência fixada), o que só pode redundar em benefício, e não em agravamento, da posição processual do arguido, que é aqui o recorrente. Por outro lado, está fora de questão que a admissão deste recurso atinja de alguma maneira a “harmonia e unidade dos vários actos do processo”.
VII - A questão levantada pelo recorrente, a respeito da indemnização, é a de ela ter sido arbitrada aos demandantes assistentes, se bem que, segundo o seu ponto de vista, eles não sejam de considerar lesados, mas assumir essa condição “a pessoa colectiva que desembolsou a verba patrimonial” entregue ao arguido. Pretende o recorrente que o facto da quantia que lhe foi entregue ter saído do património das sociedades PH e I, de que os demandantes eram meros beneficiários económicos, implica que só essas sociedades possam ser consideradas lesadas.
VIII - No caso dos autos, estamos perante um facto ilícito, o crime de burla qualificada, que foi causa adequada da violação de direitos patrimoniais dos assistentes, o que fez o agente do crime incorrer em responsabilidade civil extracontratual perante aqueles.
IX - No crime de burla, a vítima do engano, ou seja, o burlado, não tem que coincidir, necessariamente, com a pessoa patrimonialmente prejudicada. A questão que, porém, aqui interessa apurar, é a de saber se os enganados, indiscutivelmente os assistentes, não serão ao mesmo tempo os lesados.
X - Os demandantes são os beneficiários económicos das sociedades de cujas contas saíram as verbas entregues ao arguido e isso tem o significado de serem eles os titulares de todos os valores das sociedades em causa. Tais valores, depositados nas sociedades off shore, pertencem a estes beneficiários económicos. Desvanece-se por essa via a autonomia patrimonial que caracteriza, por regra e tradicionalmente, as sociedades comerciais.
XI - Os assistentes sempre se apresentaram perante o arguido em nome pessoal e nunca como representantes de uma pessoa colectiva. Perante o arguido, vincularam-se os demandantes quanto à entrega do numerário. Que o tenham ido buscar à sociedade de que eram beneficiários económicos ou a outro lugar é questão que não releva, para efeito de serem considerados lesados com o comportamento do recorrente.
Proc. n.º 430/08 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** António Colaço