ACSTJ de 15-07-2008
Admissibilidade de recurso Competência do Supremo Tribunal de Justiça Direitos de defesa Direito ao recurso Aplicação da lei processual penal no tempo Regime concretamente mais favorável
I -Na redacção actual do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP passou a falar-se em pena aplicada em vez de pena aplicável e deixou de se fazer referência ao concurso de crimes. II - Deste modo, por um lado, restringe-se o âmbito da recorribilidade, na medida em que a referência, agora, não é a pena aplicável, mas a pena efectivamente aplicada e, por outro lado, amplia-se essa recorribilidade, ao menos em relação àquela corrente jurisprudencial que atendia somente aos crimes singulares, independentemente do concurso de crimes, não admitindo a revisão da decisão, mesmo em relação à pena única que fosse superior a 8 anos, quando todos os crimes, singularmente considerados, fossem puníveis com pena não superior a esse limite e a Relação tivesse confirmado a condenação. III - Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única). IV - O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes. V - Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão, e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação. VI - Nos casos de recurso directo do tribunal colectivo para o STJ (art. 432.º, al. c), do CPP), também foi restringida significativamente a possibilidade desse recurso, pois, para além da exigência, que vinha já da anterior reforma, de o recurso visar exclusivamente matéria de direito passar a estender-se também ao recurso do tribunal de júri, o pressuposto relativo à pena deixou de referenciar a pena aplicável para passar a referir a pena aplicada. VII - Neste âmbito, só serão passíveis de tal recurso as decisões do tribunal colectivo ou de júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena superior a 5 anos ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares aplicadas sejam iguais ou inferiores a 5 anos, mas o recurso será, neste caso, restrito à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e a pena conjunta. VIII - Nesta perspectiva, a lei actual é, no caso, mais restritiva de direitos do arguido, pois, tendo a decisão recorrida confirmado a da 1.ª instância, só admitiria recurso para o STJ relativamente ao crime de homicídio e à pena conjunta, ao passo que, segundo a lei antiga, admiti-lo-á relativamente aos crimes de violação (punível em abstracto com pena de 3 a 10 anos de prisão), ao crime de homicídio qualificado tentado, punível em abstracto com pena de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão, e à pena conjunta. IX - Tendo a decisão recorrida sido proferida no domínio da lei nova, mas a decisão da 1.ª instância no domínio da lei antiga, abrindo-se, então, uma nova fase processual – a fase do recurso – e podendo, nessa altura, o arguido recorrer da decisão da Relação que lhe fosse desfavorável com o âmbito que se assinalou à lei antiga, será essa a lei aplicável ao caso, porque da aplicação imediata da lei nova resulta «agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente do seu direito de defesa» (art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP).
Proc. n.º 816/08 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator) *
Arménio Sottomayor
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