ACSTJ de 10-07-2008
Abuso de confiança fiscal Crime continuado Caso julgado Non bis in idem Culpa
I -Condenado por crimes de abuso de confiança fiscal em dois processos [os presentes autos e o processo n.º …], o recorrente violou com as diversas condutas o património tributário do Estado, ao deixar de cumprir os deveres de colaboração que a lei fiscal lhe impõe ao confiar-lhe o arrecadar do IVA, que se obriga a entregar trimestralmente nos cofres do Estado; agiu em todas as situações da mesma forma – deixando de entregar as declarações de IVA e deixando de depositar o respectivo imposto. II - Subjacente a ambas as condutas, está uma situação de dificuldades económicas da sociedade G, sendo por causa dessa situação de falta de liquidez, que o recorrente, depois de assumir funções de gerência, manteve uma situação de incumprimento das obrigações fiscais em que a sociedade se encontrava, optando por integrar na esfera patrimonial da sociedade comercial as prestações tributárias dos anos de 2000 e 2001, tal como acontecera no ano de 1999, com vista a proporcionar meios financeiros para pagar os salários dos trabalhadores. III - Se, numa primeira análise, se poderia afirmar que a situação exterior ou, se preferirmos, a solicitação, é a mesma, utilizando uma malha mais apertada, verificar-se-á que, se bem que a situação exterior – falta de liquidez da empresa – se tenha mantido, não se pode afirmar que, por causa de tal situação, fosse cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. IV - Com efeito, a realização da inspecção pelos serviços de fiscalização tributária, que depararam com a infracção e procederam à instauração do processo n.º … deveria ter sido sentida pelo arguido, já então gerente, como tomada de consciência da ilicitude e censurabilidade da conduta omissiva, levando-o a agir de molde a que a sociedade passasse a cumprir as suas obrigações fiscais. Em vez disso, a empresa desorganizou-se ainda mais, mormente na contabilidade, deixando mesmo de ter contabilista. V - O agravamento da situação, pelo qual o arguido, como gerente, tem de ser responsabilizado, não permite afirmar a subsistência duma situação exterior que determine menor exigibilidade na actuação do recorrente, o que equivale a dizer, que a culpa do agente se não mostra consideravelmente diminuída. VI - Por ter havido uma alteração da unidade de contexto situacional, não se pode considerar que a factualidade objecto dos presentes autos se integra na continuação criminosa que motivou a condenação do arguido no processo n.º ….
Proc. n.º 1943/05 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Souto Moura
António Colaço
Soares Ramos
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