Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 03-07-2008
 Homicídio qualificado Tentativa Especial perversidade Adaga Atenuação especial da pena Culpa Decurso do tempo Princípio da necessidade Prevenção geral Medida concreta da pena Indemnização Danos não patrimoniais
I -O recorrente serviu-se de «uma adaga com duas linhas de corte, sendo uma delas em “serra” e a outra, direita, com cerca de 21,5 cm de comprimento e 14,5 cm de punho em matéria plástica a imitar madeira»: este instrumento é um meio particularmente perigoso em relação aos normais meios procurados para agredir ou matar.
II - Este tipo de instrumento, por ter duas linhas de corte, sendo uma delas em “serra” e com um comprimento assinalável, tem uma capacidade especialmente vulnerante, não só do ponto de vista da penetração, como também da sua acção duplicada, perfurando e rasgando/dilacerando, ao mesmo tempo, os tecidos onde penetra; preenche, por isso, o exemplo padrão da al. g) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
III - A isto acresce o facto do arguido ter utilizado tal instrumento sem que nada o fizesse prever, atingindo o assistente, primeiro no ombro esquerdo, estando este virado de costas e, depois, quando o mesmo se virou, por efeito do golpe, para o arguido, este cravou de imediato a adaga, profundamente, na sua coxa direita: a conduta é altamente censurável e denotadora de especial perversidade, pois reflecte ao mesmo tempo aspectos desvaliosos da conduta e facetas da personalidade particularmente negativas.
IV - Deste modo, traduzindo-se o tipo qualificado num especial tipo de culpa exigindo ao mesmo tempo a concorrência de uma circunstância identificada com um exemplo padrão ou de uma circunstância estruturalmente análoga e a comprovação de que dessa circunstância resulta, em última análise, uma maior censurabilidade ou perversidade do agente (confluência ou mútua imbricação de uma cláusula geral relativa à culpa – n.º 1 do art. 132.º) e de uma circunstância específica (critério especializador do n.º 2 do artigo) que a traduza e por ela (cláusula relativa à culpa) seja aferida, não há dúvida que, neste caso, ocorre essa coincidência.
V - Ideia base do instituto da atenuação especial da pena é a de que funciona como válvula de segurança (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 302): significa ela que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da culpa ou da necessidade da pena, casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime.
VI - Em tais hipóteses, porém, a atenuação especial é obrigatória – “o tribunal atenua”, diz a lei, após a Revisão de 1995 –, segundo um critério de discricionariedade vinculada e não dependente da livre resolução do tribunal.
VII - Mostra-se desajustada a figuração atenuativa: o dolo com que o arguido agiu é muito intenso, traduzindo-se numa reiteração da conduta, pois espetou a adaga no ombro e, não satisfeito, cravou a perigosa arma na coxa direita do assistente; a ilicitude oferece características de acentuada gravidade, não só pelo desvalor do acto em si, como pelas gravíssimas consequências a que deu azo [10 intervenções cirúrgicas e 333 dias de doença], afectando toda a vida daquele e, quanto ao tempo decorrido (desde Setembro de 2003), não faz esbater de forma acentuada quer a culpa/ilicitude, quer a necessidade da pena.
VIII - O facto praticado conserva, a esta distância, uma imagem de gravidade assinalável, continuando a produzir efeitos sobremaneira deletérios na vida do assistente e reclamando da comunidade uma resposta adequada a tal representação, reputando-se adequada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão [menos 1 ano que a decisão da 1.ª instância, confirmada pelo Tribunal da Relação].
IX - O montante atribuído pela 1.ª instância de € 60 000, a título de danos patrimoniais – atentos os danos causados, segundo um critério de causalidade adequada, pela lesão e as demais circunstâncias do caso –, não afronta as regras legais e jurisprudenciais para a sua fixação (cf. Acs. do STJ de 07-03-2007, Proc. n.º 4596/06 -3.ª e de 23-04-1998, CJ STJ 1998, II, pág. 49).
Proc. n.º 1226/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor