Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 03-07-2008
 Homicídio Homicídio qualificado Homicídio qualificado atípico Asfixia Especial perversidade Especial censurabilidade Medida concreta da pena
I -O legislador, depois de, no art. 131.º do CP, proceder à descrição do tipo fundamental de homicídio, previu, no artigo seguinte, uma forma agravada de homicídio, fazendo uso da combinação de um critério generalizador – a especial censurabilidade ou perversidade – determinante dum especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão.
II - Segundo o MP recorrente, as circunstâncias susceptíveis de, no caso dos autos, indiciarem uma “especial censurabilidade ou perversidade” não integram nenhum exemplo-padrão; a agravação do crime seria obtida por aplicação directa do n.º 1 do art. 132.º do CP, constituindo um homicídio qualificado atípico.
III - Os exemplos-padrão têm uma função delimitadora dos casos atípicos, deles se devendo apreender “não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa” (Ac. de 15-052002, Proc. n.º 1214/02 -3.ª). Por poder afectar o princípio da legalidade, não se permite, o “apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplo-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto ou de uma situação valorativamente análoga” (Ac. de 13-07-2005, Proc. n.º 1833/05 -5.ª).
IV - No caso em análise, o circunstancialismo que, segundo o recorrente, justifica a qualificação do crime resulta dos seguintes aspectos: a) a primeira agressão, com uma garrafa de vidro, ter sido levada a efeito sem aviso prévio, quando o ofendido se encontrava de costas, sem possibilidade de defesa; b) a asfixia da vítima, conseguida pela obstrução das vias respiratórias através da pressão da mão direita, ser demonstrativa de uma elevada insensibilidade do arguido perante a vida humana, que retirou à vítima, olhos nos olhos; c) o furto de objectos pertencentes à vítima demonstrar que o arguido tem uma personalidade fria, calculista e insensível.
V - A atitude do agente é altamente reprovável, não só por pôr em causa o bem supremo que é a vida, mas também por a agressão, que culminou com a morte por asfixia, ter sido iniciada de surpresa, dificultando à vítima a possibilidade de defesa e colocando-a à mercê do arguido.
VI - Tal situação, não podendo ser tida como análoga à do exemplo-padrão da al. b), não mostrando uma grande persistência na intenção de matar, nem se tendo provado que a morte foi levada a cabo com o objectivo de facilitar a apropriação dos bens e dinheiro da vítima, não atinge o especial grau de censurabilidade ou perversidade que o legislador considerou inerente ao homicídio qualificado.
VII - Sendo a ilicitude muito elevada – a vítima, que conhecera o arguido alguns dias antes, vinha a ajudá-lo monetariamente; no dia do crime, acolheu o arguido em sua casa e proporcionou-lhe uma refeição –; o dolo, que é directo, muito intenso – colocado perante a proposta para a manutenção de relações homos-sexuais, o arguido ficou surpreendido, pediu algum tempo para pensar, mas depois, quando chamado pela vítima, acompanhou-a ao quarto, vindo a agredi-la com uma garrafa, quando a mesma se encontrava de costas –; os sentimentos manifestados no crime, de grande baixeza; as condições económicas do arguido, deficientes, vivendo da actividade de vendedor de ambientadores para automóveis; e tendo-se o arguido, após a prática do crime, apoderado de bens, documentos, cartões de crédito e de débito e do veículo automóvel da vítima, com o qual fugiu para o Porto e depois para Espanha; não tendo antecedentes criminais, nem confessado o crime, nem revelou arrependimento, a pena deverá ser de 15 anos de prisão, próxima do respectivo limite máximo, respondendo às necessidades de prevenção geral, não ultrapassando o limite da culpa e respeitando as necessidades de prevenção especial.
Proc. n.º 301/08 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) ** Souto Moura António Colaço Soares Ramos (“vencido quanto à qualificação. Existindo, do meu ponto de vista, bem mais do que o simples «factor surpresa» nomeado no p