ACSTJ de 31-07-2008
Habeas corpus Âmbito da providência Reabertura da audiência Aplicação da lei penal no tempo Efeito do recurso Cumprimento de pena
I -O processo de habeas corpus assume-se como de natureza residual, excepcional e de via reduzida: o seu âmbito restringe-se à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação, e só, dos fundamentos taxativamente enunciados no art. 222.º, n.º 2, do CPP. II - Reserva-se-lhe a teleologia de reacção contra a prisão ilegal, ordenada ou mantida de forma grosseira, abusiva, por chocante erro de declaração enunciativa dos seus pressupostos, estando fora do seu propósito assumir-se como um recurso dos recursos ou contra os recursos. III - É pacífico o entendimento por parte do STJ de que este Tribunal não pode substituir-se ao juiz que ordenou a prisão em termos de sindicar os seus motivos, com o que estaria a criar um novo grau de jurisdição (cf. Ac. do STJ de 10-10-1990, Proc. n.º 29/90 -3.ª). IV - E a afirmação da inexistência de relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso sobre medidas de coacção e a providência de habeas corpus, independentemente dos seus fundamentos, em face do estipulado no art. 219.º, n.º 2, do CPP, na alteração traduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, reforça aquela proibição de sindicância, reservando-a às instâncias em processo ordinário de impugnação das decisões judiciais. V - A reabertura da audiência – incidente processual recém-introduzido pela Lei 48/2007 de 29-08, pela adição ao CPP do art. 371.º-A – pode ser requerida após o trânsito em julgado da decisão condenatória mas antes da execução da pena imposta, sempre que nesse hiato temporal tenha sucedido lei penal que se apresente mais favorável ao arguido. O incidente afronta, parcialmente, o caso julgado, mas respeita o factualismo aceite, que deixa intocável, movendo-se nele a lei nova, que é posterior ao decidido. VI - A discussão permitida pela reabertura, com respeito pelo contraditório, em caso algum bole com a questão da culpabilidade, como também não assegura sequer que o tribunal competente opte pela adopção de pena de substituição, designadamente pela suspensão da sua execução. VII - O preceito inovador em causa tem algo a ver com o disposto no art. 2.º, n.º 4, do CP, na redacção dada pela Lei 59/2007, de 04-09, por força do qual se tiver havido condenação, ainda que transitada, e a lei nova tratar de modo mais benevolente o arguido, cessam a execução da sentença e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que tiver sido cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior, solução que se apresentava anteriormente inconstitucional. VIII - Fora deste contexto, resta o recurso ao regime do art. 371.º-A do CPP, sendo que esta solução restringe a propensão a lançar mão, injustificadamente, do recurso extraordinário de revisão ou à subversão das regras de competência funcional, que resultaria da atribuição da competência para julgar segundo a nova lei, aos TEP – cf. Diário da AR, II Série, n.º 31, de 23-12-2006. IX - Não colhe a alegação do arguido de que se mostra em situação de prisão ilegal, por ao recurso da decisão incidental em torno da aplicabilidade do art. 371.º-A do CPP caber efeito suspensivo, encontrando-se a reabertura da audiência suspensa, desde 01-07-2008, para sequente decisão, dado que: -estando em cumprimento de pena de prisão efectiva (de 3 anos e 8 meses de prisão, desde 29-092006), não preventiva, não se lhe aplicam os prazos legalmente estabelecidos no art. 215.º do CPP, e nenhuma decisão judicial se mostra proferida pondo-lhe, definitivamente, termo ou modificando o seu regime executivo – al. c) do n.º 2; -o recurso interposto pelo arguido não foi ainda admitido, e o assinalar-se-lhe eficácia suspensiva não vincula o tribunal que o há-de, eventualmente, admitir – sendo que o juiz que prestou a informação prevista no art. 223.º, n.º 1, do CPP fez questão de referir que se lhe fixará efeito não suspensivo.
Proc. n.º 2536/08 -3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
António Colaço
Bettencourt de Faria
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