ACSTJ de 25-07-2008
Habeas corpus Âmbito da providência Prisão preventiva Primeiro interrogatório judicial de arguido detido Matéria de facto Comunicação ao arguido
I -A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – arts. 27.º, n.º 1, e 31.º, n.º 1, da CRP –, sendo que visa pôr termo às situações de prisão ilegal, efectuada ou determinada por entidade incompetente, motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art. 222.º. n.ºs 1 e 2, als. a) a c), do CPP –, razão pela qual apenas pode ser utilizada para impugnar estes específicos casos de prisão ilegal. II - Trata-se de uma providência extraordinária e urgente, um instrumento processual que se sobrepõe aos usuais meios de defesa de que o cidadão/arguido dispõe e ao qual o tribunal tem de dar resposta no prazo de 8 dias – arts. 61.º, 219.º, n.º 2, e 223.º, n.º 2, do CPP. III - Por isso, como este STJ vem decidindo, a providência não pode ser utilizada para a sindicação de outros motivos ou fundamentos susceptíveis de pôr em causa a legalidade da prisão, para além dos taxativamente previstos na lei, designadamente para apreciar a correcção das decisões judiciais em que aquela é ordenada. IV - Destina-se, antes, a responder, com celeridade, a situações de ilegalidade manifesta, com violação directa, patente e grosseira dos pressupostos e condições de aplicação das medidas privativas da liberdade, ou seja, a casos de abuso de poder, consubstanciadores de atentado ilegítimo à liberdade – grave e rapidamente verificáveis –, integrando um dos fundamentos previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP. V - A invocada ilegalidade da prisão a que o requerente se encontra submetido, fundamentada na circunstância de a correspondente medida de coacção ter sido ordenada na sequência de interrogatório judicial sem que no decurso daquele acto lhe haja sido dado conhecimento de todos os factos que lhe são imputados, bem como por entretanto haverem os queixosos concordado com a extinção da sua responsabilidade criminal, não se enquadra em qualquer uma das situações previstas no n.º 2 do art. 222.º do CPP, sendo certo que, por um lado, no recurso que interpôs da decisão que lhe impôs a prisão preventiva, o peticionante não alegou a falta de comunicação de quaisquer factos no interrogatório judicial que a precedeu, e, por outro, as eventuais concordâncias manifestadas pelos ofendidos, atenta a concreta qualificação jurídico-penal dos factos indiciados (burla qualificada), não constituem causa da extinção da responsabilidade criminal.
Proc. n.º 2526/08 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Souto Moura
Arménio Sottomayor
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