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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 10-07-2008
 Nulidade da sentença Competência do Supremo Tribunal de Justiça Fundamentação Factos provados Factos não provados Reparação Conhecimento oficioso
I -A verificação da existência de nulidade, seja por via de requerimento da parte, seja por via oficiosa, actualmente, e como acontece desde 01-01-1999, com a Reforma de 1998, possibilita a indagação por parte do tribunal superior em matéria de facto, mesmo que o recurso se circunscreva a matéria de direito, alargando-se o quadro de possibilidades de incursão no plano fáctico, o que também é possível através da análise da existência de vícios decisórios.
II - No entanto, diversamente do que ocorre com os vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, a análise da existência das nulidades decorrentes da inobservância da injunção legal contida no n.º 2 do art. 374.º, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma, não se cinge ao texto da decisão, antes pressupõe o cotejo dessa peça processual com a(s) fonte(s) delimitadora(s) do objecto do processo, enformadoras da vinculação temática a ter em conta pelo tribunal – cf. arts. 339.º, n.º 4, e 368.º, n.º 2, do CPP –, efectuando-se esse confronto com referência à acusação (ou pronúncia) – sempre – e, eventualmente, com a contestação à acusação, com o articulado do pedido cível e contestação a este, ou com outros tipos de requerimento do arguido em que se contenha a alegação de factos com manifesto interesse para a decisão da causa, maxime, de alegação e/ou junção de comprovativo de reparação das consequências do crime, o que assume particular interesse actualmente face ao que se passa com os crimes patrimoniais (cf. art. 206.º do CP).
III - A jurisprudência do STJ firmou-se, de há muito, no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta, feita da mesma forma, dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias, ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, desde que tenham efectivo interesse para a decisão, mas já não no caso de factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra.
IV - Só a enumeração concreta e especificada dos factos alegados na acusação ou na pronúncia e, eventualmente, nos casos em que existam, na contestação criminal, no pedido cível deduzido e na contestação a este ou noutra forma de comunicação de factos relevantes, permite ao tribunal superior, em recurso, determinar se certo facto foi efectivamente apreciado e considerado provado ou não provado ou se, pelo contrário, nem sequer foi considerado.
V - O tribunal, no cumprimento da obrigação de fundamentação “completa”, há-de apresentar uma fundamentação que permita uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, com referência ao que adquirido foi e não foi em termos da facticidade apurada, se possível com explicitação diferenciada do que resultou da acusação, ou do que adveio da contestação e do que emergiu da discussão em audiência, com reporte ao modo de aquisição, permitindo a “transparência do processo e da decisão” – para utilizar a expressão de Michele Taruffo, citado no acórdão do TC n.° 680/98, de 02-12-1998, DR, II Série, de 05-03-1999 –, tem de deixar bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados, com interesse para a decisão, incluindo essa apreciação os que não foram considerados provados.
VI - Numa situação em que: -em data anterior ao julgamento, o arguido apresentou um requerimento e fez juntar aos autos duas declarações dos ofendidos TQ e JM, em que estes declaravam encontrar-se indemnizados quanto aos danos ocasionados pela acção ilícita do arguido; -no relatório do acórdão recorrido, alude-se a esta iniciativa do recorrente, e na determinação da medida da pena igualmente se refere que o arguido procedeu a reparação dos danos em relação a dois dos ofendidos, mas no segmento do acórdão da fundamentação de facto, nos factos provados, não se vislumbra qualquer alusão a este comportamento daquele (e dele não consta qualquer facto não provado); fica-se sem se saber em que medida a alegada – que não dada como provada – reparação terá sido tomada em consideração na fixação da medida da pena, sendo certo que a factualização do alegado pagamento se revela de crucial importância face ao relevo e consequências que assume actualmente a reparação integral dos prejuízos causados, atento o disposto no art. 206.º do CP.
VII - Resulta do exposto que o acórdão recorrido não cumpriu a injunção legal de fundamentação preconizada no n.º 2 do art. 374.º do CPP, o que conduz à nulidade da decisão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, sendo tal vício de conhecimento oficioso, como decorre do n.º 2 do mesmo preceito, introduzido pela Lei 59/98, de 25-08.
Proc. n.º 1880/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis