Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 10-07-2008
 Homicídio qualificado Tentativa Medida da pena Culpa Prevenção geral Prevenção especial Regime penal especial para jovens Medida concreta da pena
I -Nos termos do art. 71.º, n.º 1, do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
II - A culpa concreta constitui o suporte axiológico-normativo da pena e, também, o limite máximo desta. Nas palavras de Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, pág. 215), «Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção».
III - Podendo estas ser gerais ou especiais, é correcto afirmar-se que com o recurso às primeiras procura-se «dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos. Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem a uma sua integração digna no meio social» – cf. Ac. do STJ de 26-10-2000, Proc. n.º 2528/00 -3.ª.
IV - Estatui ainda o n.º 2 do mesmo art. 71.º que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime; e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
V - Estando em causa, para além do mais, a prática pelos arguidos de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c), g) e i) – a que correspondem actualmente, face às alterações introduzidas pela Lei 59/2007, de 04-09, as als. d), h) e j) do n.º 2 do art. 132.º do CP –, 22.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), 23.º e 73.º, todos do CP, na redacção vigente à data dos factos, punível com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses, e resultando da matéria de facto assente, nomeadamente, que: -em finais de 2006, em data não concretamente apurada mas anterior a 09-12-2006, a arguida MS decidiu matar RJ; -em dia indeterminado, mas anterior a 09-12-2006, o arguido FS mostrou à arguida MS uma pistola semi-automática Browning, de calibre 6,35 mm, de marca Tanfoglio, modelo GT-28, sem número de série, com 61 mm de cano, munida do respectivo carregador com pelo menos uma munição, apta a disparar, resultante de transformação/adaptação clandestina a partir de uma arma original de alarme, de calibre nominal de 8 mm, objectos estes que lhe pertenciam; -pretendendo utilizá-la para matar RJ, a arguida MS pediu ao arguido FS que lhe emprestasse a arma com carregador e munições, o que este fez; -na sexta-feira imediatamente anterior ao dia 11-12-2006, a arguido MS telefonou a RJ, dizendo-lhe que na segunda-feira, dia 11, à noite, necessitava ir à A… buscar uns documentos e que precisava que ele lhe desse boleia, por não ter mais a quem pedir, o que este aceitou fazer; -no próprio dia 11-12-2006, entre as 19h00 e as 22h30m, no seu estabelecimento de café, a arguida MS voltou a falar com o arguido EA, pedindo-lhe mais uma vez para participar no seu plano; -nessa altura, a arguida MS mostrou ao arguido EA a referida pistola do arguido FS, bem como dois frascos de vidro contendo líquido, sendo um, segundo ela, ácido e o outro gasolina ou petróleo, convidando novamente o arguido EA a ajudá-la a matar RJ, o que sucederia quando fossem no automóvel daquele à A…, primeiro com um tiro da pistola e depois regado e incendiado com o ácido e o combustível; -o arguido EA aceitou fazê-lo e a arguida MS entregou-lhe a referida pistola, contendo pelo menos uma munição, para que disparasse contra RJ logo que ele parasse o veículo automóvel; -nesse dia, pelas 22h30m, RJ compareceu no estabelecimento de café da arguida MS para a transportar à A… como combinado; -aí, a arguida MS convenceu-o a dar boleia para esse bairro também ao arguido EA; -desconhecendo a verdadeira intenção dos arguidos MS e EA, RJ aceitou fazê-lo e, pelas 23h30m, quando viajavam os três no automóvel conduzido por este, no entroncamento da Estrada M… com a Estrada N…, o arguido EA pediu para parar porque pretendia sair ali; -quando RJ deteve a marcha, o arguido EA, que seguia no banco de trás, na execução do plano que definira com a arguida MS, empunhou a referida pistola de calibre 6,35 mm, apontou-a à cabeça de RJ e realizou um disparo; -o projéctil atingiu RJ no lado direito da cabeça, junto ao pavilhão auricular direito; -tonto e com dores, RJ saiu do veículo, cambaleando; -vendo que RJ não faleceu, a arguida MS saiu também e molhou-o com o líquido combustível que havia trazido de casa num frasco para esse propósito e tentou por diversas vezes incendiar um fósforo para queimar RJ, o que não conseguiu devido ao vento existente e ao seu nervosismo; -enquanto o fazia, o arguido EA dizia-lhe «vamos acabar com ele!»; -a certa altura, RJ voltou a entrar no interior do veículo e tentou iniciar a marcha, mas não conseguiu; -para retirar o veículo do local, o arguido EA empurrou-o, acabando o mesmo por se imobilizar cerca de 200 metros depois; -aí, RJ saiu do veículo e deitou-se no chão, onde veio a perder os sentidos; -por essa altura já os arguidos MS e EA tinham desistido do seu propósito de matar RJ; -pelas 23h28m, a arguida MS telefonou para o número 112 e pediu auxílio médico para RJ; -como consequência directa e necessária destas condutas dos arguidos MS e EA, RJ sofreu lesões que lhe provocaram 90 dias de doença, sendo desses 73 de afectação da capacidade para o trabalho geral e 90 de afectação da capacidade para o trabalho profissional; -esta situação clínica foi acompanhada de perda de conhecimento e, para que RJ não morresse, exigiu intervenção cirúrgica tempestiva e internamento subsequente com necessidade de medidas de suporte vital durante alguns dias; -do evento resultaram para RJ as seguintes consequências permanentes: cicatriz de ferida operatória arciforme, de convexidade superior em forma de meia lua, medindo um total de cerca de 26 cm de comprimento após rectificação; a cerca de 2 cm acima da extremidade superior do pavilhão auricular direito, alargamento cicatricial de forma arredondada, fazendo corpo com a cicatriz operatória e medindo cerca de 1,5 cm de diâmetro, correspondente ao orifício de entrada do projéctil de arma de fogo; e rotura traumática da membrana do tímpano direita, que leva à diminuição da acuidade auditiva homolateral. -entretanto, pelas 23h35m, passou no local um carro patrulha da PSP com dois agentes em exercício de funções, tendo a arguida MS feito sinal de paragem; -a arguida MS admitiu parcialmente os factos que lhe são imputados [relativamente a este ponto o acórdão recorrido esclareceu na motivação da matéria de facto que: “…Em termos globais a arguida assumiu a sua participação nos factos que constituem o objecto do processo, descrevendo a sua cronologia, dinâmica e circunstâncias envolventes, mencionando todavia que apenas combinou com o arguido EA queimarem o automóvel de RJ e ameaçá-lo com a pistola, porque «estava com raiva» por ele não a ajudar no café, imputando a iniciativa relacionada com o disparo em exclusivo ao arguido EA, referindo que entregou-lhe a pistola sem munições e que após ter ocorrido o disparo despejou um líquido na cabeça de RJ que pensava ser água, o qual encontrava-se numa garrafa que o arguido EA encontrou no interior do veículo, assumindo todavia que levava dentro da mala o frasco em vidro apreendido e uma caixa com fósforos…”]; -à data dos factos, a arguida explorava um estabelecimento de café, retirando da sua actividade comercial o rendimento médio de € 1500 mensais; -a arguida residia em casa arrendada, pagando de renda a quantia mensal de € 400; -tem sete filhos, entre os 11 e os 26 anos de idade, cinco dos quais se encontravam a seu cargo; -tem o 8.º ano de escolaridade; -averba no CRC uma condenação transitada em julgado, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de € 2, pela prática, em 22-09-1998, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28-12, na redacção dada pelo DL 316/97, de 19-11, tendo sido declarado efectivo o perdão concedido relativamente à pena de prisão subsidiária; mostra-se adequada a aplicação à arguida MS de uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
VI - No que concerne à conduta do arguido AE, que contava então 17 anos, provando-se ainda que: -o arguido EA admitiu parcialmente os factos que lhe são imputados [relativamente a este ponto o acórdão recorrido esclareceu na motivação da matéria de facto que: “… em termos globais o arguido assumiu a sua participação nos factos que constituem o objecto do processo, descrevendo a sua cronologia, dinâmica e circunstâncias envolventes, imputando o protagonismo quanto ao plano relacionado com a prática dos ilícitos em causa, à arguida MS. Assim, mencionou que a arguida contactou-o uma primeira vez dizendo-lhe que «queria dar uma ameaça» em RJ, ao que o mesmo não se mostrou interessado, e que, noutro dia chamou-o ao café, insistindo no seu propósito, tendo combinado o trajecto e o momento em que o arguido diria que pretendia sair do automóvel. Referiu que nessa altura, no café, a arguida entregou-lhe a pistola, mostrando-lhe uma mala com dois frascos, um com gasolina e outro com ácido, e uma caixa com fósforos. Assumiu que no interior do veículo apontou a pistola à cabeça de RJ, referindo todavia que puxou o gatilho acidentalmente; e que depois de ter efectuado o disparo a arguida tirou um frasco da mala e despejou o líquido por cima do ofendido. A este respeito negou ter entregue à arguida qualquer garrafa com água, mencionando ainda que depois do ofendido ter saído do veículo, a arguida tirou outro frasco da mala, não conseguindo incendiar os fósforos e atear o fogo em RJ, devido ao vento. Mencionou que a arguida disse-lhe para sair do local e ir para casa da mesma que depois «inventava uma história na polícia» e que entregou a pistola ao arguido FS, seguindo as instruções da arguida]; -à data dos factos não trabalhava, nunca tendo exercido uma actividade laboral regular; -residia com a mãe, o irmão e o companheiro daquela, em casa arrendada; -tem o 6.º ano de escolaridade; -não desenvolve qualquer actividade formativa ou ocupacional no estabelecimento prisional; -por acórdão proferido em 10-10-2007, no âmbito do Processo Tutelar Educativo n.º 4…, transitado em julgado em 24-10-2007, foi aplicada ao arguido a medida de internamento em Centro Educativo, pelo período de 18 meses, por factos ocorridos em 12-06-2005, integradores da prática de crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º, 22.º, 23.º e 73.º do CP; -do CRC do arguido nada consta; é de concluir que, não obstante a idade do arguido, ponderadas as demais circunstâncias concretas do caso, que evidenciam uma personalidade carecida de uma forte reacção penal com vista à sua ressocialização, não sendo visíveis ou palpáveis os benefícios da ressocialização, não se mostram suficientemente indiciadas as vantagens na atenuação especial da pena para a reinserção social do arguido, regime que não lhe deve ser aplicado, e que a sua condenação numa pena de 5 anos de prisão é a adequada ao circunstancialismo descrito.
Proc. n.º 1967/08 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar