ACSTJ de 10-07-2008
Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Concurso de infracções Aplicação da lei processual penal no tempo Direito ao recurso
I -Face ao art. 400.º, n.º l, al. f), do CPP, na redacção anterior à introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, era jurisprudência firme do Supremo (cf. Ac. de 08-11-2006, Proc. n.º 3113/06, desta Secção, entre outros) a de que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmassem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de concurso de infracções, dada a denominada «dupla conforme». II - Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções» constante da aludida norma significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrassem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão, havendo identidade de condenação nas instâncias. III - Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável, independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a 8 anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, não seguida por esta Secção, entendia que, na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos. IV - Com a revisão do CPP operada pela referida Lei, na al. f) do n.º 1 do seu art. 400.º deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos» para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos: daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções». Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão. E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar 8 anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta. V - Mesmo que se entenda que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, a excepção constante do n.º 2 do art. 5.º do CPP não tem campo de aplicação numa situação em que a própria decisão da 1.ª instância foi proferida já no domínio da lei nova, sendo esta, por isso, de aplicação imediata (art. 5.º, n.º 1, do CPP). VI - O art. 32.° da CRP não consagra a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária. VII - O acórdão da Relação que confirmou decisão de 1.ª instância, proferida em 06-11-2007, que aplicou pena inferior a 5 anos de prisão, é irrecorrível para o STJ, sendo que as legítimas expectativas criadas, bem como o exercício do direito ao recurso como concretização constitucional de exercício do direito de defesa, foram constitucionalmente acautelados e exercitados com o recurso interposto para a Relação.
Proc. n.º 2146/08 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
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