ACSTJ de 10-07-2008
Habeas corpus Âmbito da providência Detenção Mandado de Detenção Europeu Contagem do tempo de prisão Prazo da prisão preventiva Aplicação da lei processual penal no tempo Regime concretamente mais favorável
I -É entendimento remoto do STJ o de que o habeas corpus não constitui sequer um recurso sobre actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis. Na providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar, a decidir segundo o regime normal dos recursos, geram alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP (cf. Ac. de 02-02-2005, in www.dgsi.pt). II - Assim, o período de detenção no procedimento de execução do mandado de detenção europeu (MDE) não pode ser tomado em consideração para efeitos de determinação do prazo de prisão preventiva, não sendo objecto da providência de habeas corpus determinar se a detenção para execução de mandado se projecta ou não no prazo de prisão preventiva (cf. Ac. deste STJ de 02-04-2008, Proc. n.º 114/08 -3.ª). III - A possibilidade de aplicação da medida de coacção – de entre as enunciadas no CPP – prevista no art. 18.º, n.º 3, da Lei 65/2003, de 23-08, pressupõe um juízo que, embora autónomo na competência da autoridade de execução do MDE, não pode deixar de estar mutuamente intercondicionado pela natureza do mandado e pelos fundamentos que determinaram a sua emissão – para procedimento penal ou para execução – cf. Ac. da 3.ª Secção deste STJ de 02-02-2005. IV - De harmonia com o disposto no art. 10.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23-08, o período de tempo de privação da liberdade à ordem de MDE apenas poderá ser tomado em conta no prazo de duração ou cumprimento de pena, não tendo qualquer repercussão na medida de coacção, o que bem se compreende, uma vez que as medidas de coacção se subordinam não às finalidades das penas mas aos princípios da necessidade e adequação, em termos de exigências cautelares, sem prejuízo do princípio da proporcionalidade. V - Verificando-se dos elementos constantes dos autos que: -o arguido EB, sobre quem recaíam fortes suspeitas da prática de um crime de homicídio voluntário na pessoa de JA, foi objecto de um MDE, executado pelas autoridades holandesas em 22-06-2006, conforme informação prestada pelo Gabinete Nacional SIRENE; -foi entregue às autoridades portuguesas (PJ), no Aeroporto de Schippol – Holanda, em 25-09-2006; -foi sujeito a interrogatório judicial em 26-09-2006, após o que, na mesma data, lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva; -foi julgado na 1.ª instância, tendo sido condenado, por acórdão de 26-06-2007, na pena de 11 anos de prisão, pelo crime de homicídio p. e p. pelo art. 131.º do CP; -pelo arguido foi interposto recurso interlocutório para o Tribunal da Relação do Porto, o qual foi julgado improcedente; -pelo MP foi interposto recurso para o STJ, restrito à matéria de direito, tendo sido realizada a audiência em 03-07-2008, em consequência da qual veio a ser proferido acórdão que, alterando a pena aplicada ao arguido pelo crime de homicídio, a fixou em 15 anos de prisão, no mais se mantendo a condenação; -em 09-04-2008 foram revistos, pela última vez, os pressupostos da medida de coacção, tendo sido mantida a prisão preventiva; a decisão de aplicação da referida medida de coacção ao ora peticionante produziu no processo os efeitos consequentes e, sendo susceptível de impugnação, mantém-se com os seus efeitos se não for eventualmente alterada em recurso. VI - No âmbito da redacção dada ao art. 215.º do CPP pela Lei 48/2007, de 29-08, tratando-se de crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, e tendo o arguido sido colocado em prisão preventiva em 26-09-2006, à ordem dos autos em causa, não decorreu ainda o prazo máximo de duração daquela medida (2 anos), que só terminará em 26-09-2008, se até lá não tiver transitado em julgado a condenação (em 15 anos de prisão). VII - Constatando-se que o regime decorrente da alteração introduzida ao art. 215.º do CPP pela Lei 48/2007 surge mais favorável ao arguido, na medida em que lhe reduz o prazo de duração máxima da prisão preventiva em relação ao contemplado no art. 215.º na sua redacção vigente à data da aplicação da medida (30 meses), há que optar pela lei nova, de acordo com o estabelecido no art. 5.º do CPP. VIII - Mas, porque, face ao regime da nova versão do art. 215.º do CPP, não decorreu ainda o referido prazo máximo, a providência extraordinária de habeas corpus é manifestamente infundada, por falta de fundamento bastante (art. 423.º, n.º 4, al. a), do CPP).
Proc. n.º 2396/08 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
Pereira Madeira
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