Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 10-07-2008
 Tráfico de estupefacientes Correio de droga Medida concreta da pena Suspensão da execução da pena Prevenção geral
I -Numa situação em que: -a arguida, de nacionalidade espanhola e sem antecedentes criminais, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Caracas, Venezuela, trazendo na sua mala de viagem, dissimulada no interior de três latas de conserva, cocaína, com o peso bruto global de 8364,400 g; -a arguida, de 29 anos de idade, à data dos factos encontrava-se desempregada, devido a problemas de saúde, depressão e fibromialgia, recebendo mensalmente da segurança social a quantia de € 316; -está separada do marido, de quem tem um filho menor, que se acha a cargo da avó materna; -após a detenção, imediatamente se prontificou a colaborar com a PJ, tendo em vista a identificação dos destinatários da cocaína, colaboração de que resultou a detenção do co-arguido PM; sopesando todas as circunstâncias ocorrentes, com especial destaque para a colaboração que a arguida imediatamente prestou à autoridade policial, a par da sua primariedade, tem-se por adequado reduzir para 4 anos de prisão a pena aplicada na 1.ª instância [de 5 anos e 6 meses de prisão], pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01.
II - A pena de suspensão da execução da pena só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 50.º, n.º 1, do CP.
III - Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – art. 40.º, n.º 1, do CP –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
IV - Assim, para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, de que o facto cometido não está de acordo com esta e foi simples acidente de percurso, esporádico, e de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos.
V - Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
VI - Tendo em consideração que: -estamos perante crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado no transporte aéreo da América do Sul para a Europa de cerca de 8 kg de cocaína; -na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve atender-se a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade; -parte significativa da população prisional portuguesa cumpre pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico e o consumo de estupefacientes, pelo que as necessidades de prevenção geral impõem uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico; -só em situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, o que no caso não se verifica; há que afastar a aplicação do referido instituto.
Proc. n.º 1217/08 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa