Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 10-07-2008
 Homicídio qualificado Culpa Especial censurabilidade Especial perversidade Imagem global do facto Qualificação jurídica Homicídio Medida concreta da pena
I -No nosso ordenamento jurídico o crime de homicídio qualificado não é um tipo legal autónomo, com elementos constitutivos específicos, constituindo antes uma forma agravada de homicídio, em que a morte é produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.
II - A qualificação do homicídio assenta, pois, num especial tipo de culpa, agravado, traduzido num acentuado desvalor da atitude do agente, que tanto pode decorrer de um maior desvalor da acção, como de uma motivação especialmente reprovável.
III - Como refere Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 29), o pensamento da lei é o de imputar à «especial censurabilidade» aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à «especial perversidade» aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas. Ou, como entende Teresa Serra, citando Sousa Brito, a especial censurabilidade refere-se às componentes da culpa relativas ao facto e a especial perversidade à atitude do agente (cf. Homicídio Qualificado Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 64).
IV - No n.º 2 do art. 132.º do CP indicam-se circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, elementos indiciadores da ocorrência de culpa relevante, cuja verificação, atenta a sua natureza indiciária, não implica, obviamente, a qualificação automática do homicídio, qualificação que, por outro lado, dada a natureza exemplificativa das referidas circunstâncias – o que claramente resulta da letra da lei, concretamente da expressão entre outras –, pode decorrer da verificação de outras situações valorativamente análogas às descritas no texto legal, sendo certo, porém que a ausência de qualquer das circunstâncias previstas nas als. a) a m) do n.º 2 do art. 132.º constitui indício da inexistência de especial censurabilidade ou perversidade do agente, ou seja, indicia que o caso se deve subsumir ao homicídio simples.
V - Tudo dependerá, como refere Figueiredo Dias, de uma imagem global do facto agravada que corresponda ao especial tipo de culpa que aqui se deve ter em conta. Tipo de culpa que, perante a inexistência de qualquer uma das situações previstas no texto legal, só se deve ter por verificado perante circunstâncias extraordinárias ou um conjunto de circunstâncias especiais (reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade do agente), que exprimam um grau de gravidade e possuam um estrutura valorativa correspondente à imagem de cada um dos exemplos padrão enunciados no texto legal.
VI - Tais circunstâncias, não fazendo parte do tipo objectivo de ilícito, devem ter-se por verificadas a partir da situação tal qual ela foi representada pelo agente, perguntando se a situação, tal qual foi representada, corresponde a um exemplo padrão ou a uma situação substancialmente análoga, e se, em caso afirmativo, se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
VII - Se da análise dos factos objecto do processo (que não integram qualquer dos exemplos padrão) se constata que, conquanto revelem, ao nível da execução, um comportamento pouco comum, pelo elevado número de golpes vibrados na vítima (13), alguns deles letais, não permitem a formulação de um especial juízo de censura ao nível da culpa, tanto mais que a matéria de facto assente não nos esclarece, minimamente, sobre o circunstancialismo em que a agressão se concretizou (desconhece-se se a agressão foi pelas costas e traiçoeira, se houve alguma reacção da vítima ou se esta ficou de tal impossibilitada, bem como se o arguido, através da surpresa, procurou diminuir a capacidade de defesa daquela), para além de que a montante do comportamento delituoso está uma discussão entre o arguido e a vítima momentos antes, na sequência da qual esta desferiu uma bofetada no arguido, há que (requalificando) subsumir os factos no art. 131.º do CP.
VIII - Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao crime de homicídio p. e p. pelo art. 131.º do CP, ou seja, a de 8 a 16 anos de prisão, e tendo em consideração que: -o dolo é directo e intenso, traduzido no elevado número de golpes vibrados pelo arguido sobre a vítima, bem como na gravidade das diversas lesões causadas; -a este comportamento subjaz desavença ocorrida, pouco tempo antes, entre arguido e vítima, na sequência da qual esta desferiu na face daquele uma bofetada; -as necessidades de prevenção geral são patentes em comunidade que, ultimamente, vem sendo objecto da violência gratuita de alguns, de consequências muito graves, pelo que o desprezo pelas regras e valores éticos que a comunidade com tanto esforço construiu terá de ser frontalmente censurado; -o arguido é de nacionalidade brasileira e tem 28 anos de idade; -antes dos factos executava trabalhos de construção civil; -não lhe são conhecidos antecedentes criminais em Portugal; -a defesa da ordem jurídico-penal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente, entre esses limites se satisfazendo, quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização; fixa-se a pena em 15 anos de prisão, medida que se entende ser a necessária, adequada e proporcional.
Proc. n.º 1785/08 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa