Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 02-07-2008
 Nulidade da sentença Omissão de pronúncia Contra-ordenação estradal Prescrição do procedimento contra-ordenacional Interrupção da prescrição Suspensão da prescrição Aplicação subsidiária do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas Direitos de de
I -Tendo o acórdão [em que se decidiu «porquanto decorreram já dois anos sobre a prática da infracção, e nos termos do artigo 188.º do Código da Estrada, declara-se prescrita a infracção imputada nos presentes autos»] considerado como irrelevante a aplicabilidade ao caso do art. 132.º do CEst que, sob a epígrafe de “Regime”, determina a aplicação subsidiária do RGCOC – certamente dada a circunstância de o referido normativo se inscrever no título relativo à responsabilidade (Título VI), diferente do relativo à prescrição (Título VIII) –, e porque, entendendo-se que onde o legislador não distinguiu expressamente não o deve fazer o intérprete, deveria ter sido ponderada a aplicação do aludido normativo, é de concluir que a decisão incorreu na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por não se ter pronunciado sobre matéria em relação à qual o deveria ter feito.
II - E, procedendo-se agora à supressão de tal nulidade, é de decidir que à contra-ordenação praticada pelo arguido se aplica, por força do art. 132.º do CEst, o regime da suspensão e interrupção da prescrição a que aludem os arts. 27.º-A e 28.º do RGCOC.
III - Tendo em conta que o prazo prescricional será de 2 anos, acrescido de metade, e ressalvado o tempo de suspensão (art. 28.º, n.º 3, do RGCOC) – o qual não pode ultrapassar os 6 meses –, e que a infracção terá ocorrido em 22-05-2005, não se verificou ainda a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
IV - No âmbito do processo de contra-ordenação definem-se duas fases de natureza distinta: a primeira – fase da investigação e instrução –, da competência da entidade administrativa, tem por finalidade a prática dos actos de investigação e de recolha de prova que permita, determinar a existência de uma contra-ordenação e, no caso afirmativo, os elementos que relevam, nos termos do art. 18.º do Regime Geral, para a medida da coima, ou seja, gravidade da contra-ordenação, culpa, situação económica do agente e benefício que este retirou da prática da contra-ordenação; a autoridade administrativa não dispõe em caso algum de uma competência criminal especializada, limitando-se a efectuar o processamento das contra-ordenações de forma a tornar possível a imposição das respectivas coimas. A segunda fase – fase judicial – inicia-se com o denominado recurso de impugnação judicial.
V - Naquela primeira fase, o direito de audição e defesa do arguido tem a sua pedra angular no art. 50.º do RGCOC, no qual se define que não é possível aplicar uma coima, ou uma sanção acessória, sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar e, por tal forma, exercer o contraditório.
VI - Porém, é no processo criminal que o princípio do contraditório assume a dignidade constitucional que o art. 32.º, n.º 5, da CRP lhe atribui. Conforme tem vindo a ser uniformemente entendido pelo TC (cf. Ac. n.º 278/99), a preservação das garantias de defesa do arguido passa, nos parâmetros do Estado de Direito democrático, além do mais, pela observação do contraditório de modo a que possa sempre ser dado conhecimento ao arguido do teor da acusação que lhe é feita e se lhe dê oportunidade para dela se defender. A intangibilidade deste núcleo essencial compadece-se, no entanto, com a liberdade de conformação do legislador ordinário que, designadamente na estruturação das fases processuais anteriores ao julgamento, detém margem de liberdade suficiente para plasticizar o contraditório, sem prejuízo de a ele subordinar estritamente a audiência: aqui tem o princípio a sua máxima expressão (como decorre do aludido n.º 5 do art. 32.º), nesta fase podendo o arguido expor o seu ponto de vista quanto às acusações que lhe são feitas, contraditar as provas contra si recolhidas, apresentar novas provas e pedir a realização de outras diligências, e debater a questão de direito.
VII - Não tem razão o arguido ao invocar que a falta de junção do auto de notícia até ao termo do prazo de impugnação judicial afectou o seu direito de defesa se dos autos resulta que, conforme consta do aviso de recepção da notificação que lhe foi efectuada, o mesmo foi notificado da matéria do auto de contra-ordenação, possibilitando-lhe o conhecimento de todos os elementos relevantes para o exercício daquele direito.
Proc. n.º 1615/08 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Santos Cabral (tem voto de vencido quanto à matéria constante dos pontos I a III) Pereira Madeira (com voto de desempate)