Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 25-06-2008
 Habeas corpus Recurso penal Fundamentos Liberdade condicional Revogação Cumprimento de pena Remanescente de pena
I-O habeas corpus é configurado no CPP como uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, pelo que não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
II - Entende-se hoje que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão, sendo então o acento tónico posto na ocorrência de abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade, reconhecido constitucionalmente, uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave e, em princípio, grosseiro e rapidamente verificável – que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.
III - O pedido de declaração de nulidade do despacho de revogação de liberdade condicional e que se ordene a promoção de novo processo complementar de revogação de liberdade condicional situa-se para além da função do habeas corpus, que se destina exclusivamente a obter a restituição à liberdade daquele que está ilegalmente detido ou preso e não conhecer de nulidades ou do mérito de decisões judiciais, do que se deve ocupar o tribunal que proferiu a decisão (nulidade, quando não cabe recurso) e o tribunal superior competente, por via de recurso.
IV - De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do CP, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º.
V - Com efeito, a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete e que inclui o n.º 4, que dispõe que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».
VI - Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º.
VII - E, face ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2006, de 23-11-2005, DR I Série, de 04-012006, deste Tribunal não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente.
VIII - Por outro lado, como decidiu o Ac. do STJ de 06-01-2005, Acs STJ XIII, 1, pág. 162, a liberdade condicional prevista no n.º 5 [actual n.º 4] do art. 61.º do CP (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana. E sendo esta liberdade condicional um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade.
Proc. n.º 2184/08 -5.ª Secção Simas Santos (relator) * Santos Carvalho Carmona da Mota (com declaração de voto)