Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 19-06-2008
 Recurso de revisão Novos meios de prova Novos factos
I -O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo CPP, como também pelo CPC, como forma de obviar a decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e a segurança do direito, a que o caso julgado dá caução.
II - Se tanto no processo civil como no processo penal a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-de convir-se que no processo penal esta se impõe com muito mais pujança, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que a Constituição no art. 29.º, n.º 6, estabeleça: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
III - A revisão extraordinária de sentença transitada, se visa tais objectivos, conciliando-os com a necessidade de certeza e segurança do direito, não pode, por isso mesmo, ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1 do art. 449.º do CPP.
IV - Factos «são os factos probandos», ou seja, «os factos constitutivos do próprio crime, ou os seus elementos essenciais» e ainda «os factos dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime».
V - Elementos ou meios de prova são «as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência de crime ou seus elementos».
VI - Estes novos factos ou meios de prova têm de suscitar grave dúvida sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do art. 449.º do CPP).
VII - A lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, mas apenas dúvidas, embora graves (Ac. do STJ de 03-07-1997, Proc. n.º 485/97). Essas dúvidas, porém, porque graves, têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido.
VIII - Daí que os novos factos ou os novos meios de prova tenham de ter a força bastante para gerarem essas graves dúvidas, dando azo a um novo julgamento – provas e factos novos que, todavia, só o são enquanto não apreciados no processo que deu origem à decisão condenatória, e não enquanto não conhecidos do arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
IX - No caso presente, os recorrentes limitaram-se a indicar novos meios de prova para os mesmos factos. Essa prova é testemunhal e constituída por pessoas que conheciam os recorrentes, bem como o irmão destes, entretanto falecido, dado que eram das suas relações. Os recorrentes alegaram, apesar da referida proximidade, o desconhecimento desses meios de prova ao tempo do julgamento.
X - No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes [pelo qual se encontram os recorrentes condenados], todas as testemunhas visaram centrar a actividade de tráfico no irmão dos recorrentes já falecido, excluindo da actividade criminosa os recorrentes. Ou seja, vieram contrapor à versão que foi acolhida pelo tribunal da condenação, segundo a convicção que formou com base nas provas produzidas, uma outra versão. Porém, essa versão é apenas uma versão, que não tem nenhum relevo para abalar a convicção formada pelo tribunal que proferiu a decisão recorrida, quanto mais para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, nos termos acima assinalados.
XI - Já quanto ao crime de detenção de arma proibida [pelo qual se encontram os recorrentes igualmente condenados], o problema se coloca de forma diversa. Na verdade os recorrentes foram também condenados por esse crime, na pressuposição de que a arma, que foi encontrada no quarto dos recorrentes, pertencia aos três irmãos, conforme foi dado como provado. Todavia, resulta dos depoimentos agora produzidos que a arma seria apenas do irmão dos recorrentes falecido.
XII - Muito embora o crime não consista na propriedade da arma proibida, mas na detenção, podendo ou não as duas realidades coincidirem e não sendo, por isso, de excluir que, sendo do irmão falecido, a arma fosse detida pelos três, não – como é evidente – simultaneamente, mas sucessiva ou aleatoriamente, o certo é que existem fortes probabilidades de a referida arma ser apenas usada pelo falecido. Pondo as coisas ao invés: existem sérias dúvidas de a arma ser detida pelos recorrentes e muito maiores dúvidas de ser propriedade comum.
XIII - Tais dúvidas atingem o cerne da condenação, a ponto de se pôr com um alto grau de probabilidade a possibilidade de os recorrentes serem absolvidos desse crime, se porventura fossem conhecidas do tribunal as provas agora apresentadas e os factos que elas aduziram. Desse modo, será de autorizar a revisão, nessa parte.
Proc. n.º 207/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor Carmona da Mota