Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 19-06-2008
 Furto Furto qualificado Admissibilidade de recurso Aplicação da lei processual penal no tempo Dupla conforme Recurso da matéria de facto Competência da Relação Competência do Supremo Tribunal de Justiça Vícios do art. 410.º do Código de Processo P
I -Na redacção anterior do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmassem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
II - Este normativo era maioritariamente interpretado por este STJ como significando que não se podia recorrer de decisões das Relações que confirmassem decisão da 1.ª instância e a pena aplicável a cada crime, mesmo que se tratasse de um concurso de infracções, não ultrapassasse 8 anos de prisão. Porém, havia uma corrente que entendia que, estando em causa, no recurso, a pena única fixada para um concurso de crimes e esta fosse além do referido limite de 8 anos de prisão, o recurso era admissível (cf. entre muitos outros, os Acs. de 13-01-2005, Proc. n.º 3570/04, e de 21-04-2005, Proc. n.º 3975/04, ambos da 5.ª Secção, o último tendo como relator o mesmo deste processo, e ainda o recente Ac. de 3101-2008, Proc. n.º 1411/07, também da 5.ª Secção).
III - Na redacção actual do art. 400.º, n.º 1, al. f), não há dúvida nenhuma de que o recurso é igualmente admissível, visto que a condição da chamada dupla conforme é que a pena aplicada, confirmada pela Relação, não seja superior a 8 anos de prisão. Se a pena aplicada for superior a esse limite, seja por um único crime, seja por vários crimes em concurso (a designada pena conjunta ou pena única), o recurso é sempre admissível para o STJ.
IV - Consequentemente, tendo, no caso presente, sido aplicada, em cúmulo jurídico, a pena única de 9 anos de prisão, é admissível o recurso interposto.
V - O STJ, como tribunal de revista, não aprecia matéria de facto. As questões de facto relativas à apreciação e valoração da prova produzida ficam encerradas com a decisão da Relação. A menos que o STJ detecte qualquer vício dos que são configurados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, impedindo-o de aplicar a mais adequada e justa solução de direito, de acordo com as várias soluções plausíveis. E isto desde logo por força de uma obrigação que lhe incumbe ex officio, mesmo que o recurso seja limitado à matéria de direito (Ac. de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no DR, I -A, de 28-121995).
VI - Esses vícios, porém, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras gerais da experiência comum, sem recurso a qualquer outro elemento extrínseco ao texto decisório. Por conseguinte, não será lícito recorrer à prova produzida para se surpreender qualquer dos referidos vícios, exactamente porque não se pode confundir aqueles, enquanto afectam, de forma patente, a estruturação fáctica interna, em que há-de ter apoio a decisão de direito, com erro de julgamento.
VII - Quanto aos vícios propriamente ditos, aqueles que resultam patentemente da decisão recorrida, tomando o texto por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, tem entendido este Tribunal, em jurisprudência praticamente uniforme, que o recurso da matéria de facto, ainda que restrito aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada), tem actualmente (isto é, depois da reforma introduzida pela Lei 59/98, de 25-08) de ser interposto para a Relação e, da decisão desta que sobre tal matéria se pronuncie, já não é admissível recurso para o STJ, pelo que se haverão de considerar precludidas todas as razões que foram ou podiam ser invocadas nesse recurso, cuja decisão esgota os poderes de cognição nessa matéria (cf., entre outros, os Acs. de 01-06-2006, Proc. n.º 1427/06 -5.ª, e de 22-06-2006, Proc. n.º 1923/06 -5.ª, e, no mesmo sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, O Novo Código e os Recursos, 2001, edição policopiada, págs. 9 e 10).
VIII - Esta interpretação colhe apoio na redacção introduzida pela aludida reforma na al. d) do art. 432.º do CPP, que passou a conter a locução, antes inexistente, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
IX - É claro que uma tal interpretação é feita sem prejuízo de o STJ conhecer dos vícios oficiosamente, nos termos do disposto no art. 434.º do CPP e da jurisprudência fixada por este Tribunal no Ac. n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no DR, I -A, de 28-12-1995. Em tal caso, porém, o STJ conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse sobre os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.
X - Uma tal interpretação não colide com o direito ao recurso, enquanto parte integrante do direito de defesa consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, pois o referido direito alcança satisfatoriamente as exigências constitucionais com o asseguramento de um grau de recurso para um tribunal superior, neste caso a Relação.
Proc. n.º 122/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor