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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 25-06-2008
 Competência do Supremo Tribunal de Justiça Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Conhecimento oficioso Fundamentação Exame crítico das provas Acórdão da Relação Declarações do co-arguido Valor probatório Tráfico de estupefacientes Susp
I -É unânime a jurisprudência segundo a qual, no recurso para o STJ, das decisões finais do tribunal colectivo e que já passaram pela apreciação do Tribunal da Relação, é inadmissível a arguição dos vícios a que faz referência o art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada), posto que se trata de questão de facto.
II - Deste modo, da decisão da Relação que sobre tal matéria se pronuncie já não é admissível recurso para o STJ; trata-se de uma manifestação clara do princípio da preclusão: consideram-se precludidas todas as razões que foram ou podiam ser invocadas nesse recurso, cuja decisão esgota os poderes de cognição nessa matéria.
III - Esta interpretação colheu apoio na redacção introduzida pela Revisão de 1998, na al. d) – actual al. c) – do art. 432.º do CPP, que passou a conter a locução, anteriormente inexistente, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
IV - O Supremo Tribunal conhece oficiosamente dos vícios indicados no referido art. 410.º, n.º 2, não porque possam ser reeditados em novo recurso que verse os mesmos, depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis (cf. art. 343.º do CPP e jurisprudência fixada pelo Ac. n.º 7/99 do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19-10-1995, Proc. n.º 46580 -3.ª, DR Série I A, de 28-12-1995, que preceitua: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”).
V - Esse conhecimento surge como preambular do de direito e nunca a pedido do recorrente que, para tanto, teve ao seu dispor o Tribunal da Relação – arts. 427.º e 428,º, ambos do CPP.
VI - E esta interpretação conforma-se com o direito ao recurso, previsto no art. 32.º, n.º·1, da CRP, já que o mesmo alcança satisfatoriamente as exigências constitucionais desde que assegurado um grau de recurso para um tribunal superior, neste caso a Relação.
VII - A garantia da fundamentação é indispensável para que se assegure o respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial, na vertente da imparcialidade, independência e isenção e do controlo, por via recursiva. Por isso, tem-se sublinhado a importância da fundamentação criteriosa, coerente e suficiente que possibilite, extraprocessualmente, a sua legitimação na comunidade e, intraprocessualmente, a reapreciação por um tribunal superior.
VIII - O exame crítico é o filtro da razão e da lógica utilizado após a produção da prova; é a explicitação do valor atribuído aos documentos ou à fiabilidade dos depoimentos, das razões de ciência, do porquê de uma determinada opção em detrimento de outra, que à partida pareceria igualmente possível, do uso das presunções, das regras de experiência ou das inferências dedutivas.
IX - No patamar dos tribunais de recurso, o preceito do art. 374.º, n.º 2, do CPP não logra aplicação em toda a sua extensão, designadamente não faz sentido a aplicação da sua parte final (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação ou a acórdão deste Supremo Tribunal funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, examinando a matéria de facto, mantém a decisão da 1.ª instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido.
X - A fundamentação decisória da Relação é exercida sobre uma outra decisão que, por seu turno, já motivou a convicção; nesse sentido, não é uma fundamentação originária, mas uma fundamentação derivada, sendo-lhe lícito recorrer à fundamentação da decisão recorrida para justificar as suas próprias soluções.
XI - Retira-se da conjugação dos arts. 61.º, n.º 1, 343.º, 344.º e 345.º, todos do CPP, que o arguido pode, livremente, optar por prestar declarações em julgamento, ilibando-se ou auto-incriminando-se e, bem assim, fazê-lo em favor ou em detrimento do co-arguido, desonerando-o ou acusando-o, sendo certo que tais declarações são um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do referido diploma legal, não constituindo um meio proibido de prova, por não se enquadrar na previsão do art. 126.º, que mais não é que a tradução da norma constitucional do art. 32.º, n.º 8.
XII - Nessa medida, o STJ tem realçado que não existe obstáculo legal à valoração dessas declarações, por aplicação do princípio da livre apreciação da prova. Não obstante, como decorrência do estatuto do arguido, salienta que é exactamente porque este não é ajuramentado, goza do direito ao silêncio e não é obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas, que deve existir uma especial ponderação quanto à credibilidade das mesmas, em ordem a aferir a sua coerência interna.
XIII - Por isso, o enfoque situa-se, não ao nível de qualquer proibição de prova, mas estritamente no da apreciação – como meio de prova para a formação da convicção do Tribunal – da prova emergente das declarações de co-arguido.
XIV - A decisão condenatória baseada somente nas declarações do co-arguido deve rodear-se de particulares cautelas. O eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, por poder conduzir à fragilidade probatória dessas declarações, tem sido ultrapassado defendendo-se, a montante, a necessidade de cruzamento com outros elementos probatórios; que o co-arguido transmita dados externos corroborantes das suas afirmações incriminatórias, para que as mesmas se tornem mais fiáveis; a possibilidade da defesa do co-arguido afectado poder, por intermédio do Tribunal, formular perguntas, numa clara manifestação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, ou requerer, até, a acareação; e, a jusante, uma maior exigência no grau de fundamentação decisória, em matéria de prova do facto, enquanto condição de controlo, convencimento e sindicabilidade da própria decisão.
XV - Estamos perante a prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, se o arguido, na qualidade de proprietário, introduz em Portugal 1 kg de MDMA, com um grau de pureza de 82,5%, apto à preparação de 8200 doses individuais, recorrendo para o efeito à sua remessa, por via postal registada, de um outro país (Holanda), dissimulada dentro de um forno microondas, sendo a encomenda levantada por 3.ª pessoa.
XVI - Tendo o arguido sido condenado, pela prática do referido ilícito criminal, numa pena de 5 anos de prisão, não passível de qualquer intervenção correctiva por parte deste STJ, coloca-se a questão da suspensão da respectiva execução, ao abrigo da nova redacção do art. 50.º, n.º 1, do CP, claramente mais favorável ao arguido (art. 2.º, n.º 4, do mesmo diploma legal).
XVII - Porém, sendo este Supremo Tribunal confrontado com esta questão nova, resultante da modificação da lei penal, uma vez que nem a 1.ª instância nem a Relação equacionaram essa hipótese, porque à data não era legalmente possível a suspensão da execução de uma pena de 5 anos de prisão, e porque, apesar do consignado na matéria de facto, os elementos ali constantes já remontam há alguns anos, sendo necessário que o tribunal disponha de dados actualizados, nomeadamente relatório social, que sirvam de ponderação da aplicabilidade da pena de substituição, devem os autos ser remetidos à 1.ª instância para que proceda à reabertura da audiência – arts. 370.º a 371.º-A, do CPP –, aí se procedendo às diligências reputadas úteis, com o fim de se decidir se deve, ou não, ser aplicada a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.
Proc. n.º 2046/07 -3.ª Secção Soreto de Barros (relator) Santos Cabral Oliveira Mendes Maia Costa 5.ª Secção