ACSTJ de 18-06-2008
Crime particular Constituição de assistente Acusação particular Despacho de pronúncia Legitimidade Irregularidade Ratificação
I -Sendo os crimes particulares aqueles em que a acusação do MP pressupõe a prévia acusação particular, a intervenção da parte acusadora, quando a lei lhe conceda o direito de acusação particular, é em si de natureza primária ou principal, visto que só mediante a sua acusação poderá ter lugar a acusação pública, e aquela vale como acusação independentemente do exercício da acção penal pelo MP (cf. Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, edição dos SSUL, 1972-1973, vol. II, págs. 130-131). II - Por outro lado, segundo Germano Marques da Silva (Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, pág. 421), assistente não é sinónimo de ofendido. A intervenção do ofendido no processo como sujeito processual passa pela sua prévia constituição formal como assistente. O ofendido enquanto não se constitui formalmente como assistente é um simples participante processual a quem a lei não atribui estatuto especial. E nos crimes particulares a constituição de assistente tem de ser requerida logo na queixa (art. 246.°, n.º 4, do CPP), sem a qual o processo não pode prosseguir. III - Relativamente a este tipo de crimes, afirma o mesmo Autor (ob. e loc. cit., pág. 427), a acusação do assistente é inteiramente autónoma da do MP e pressuposto processual desta; é a acusação dominante. Estando em causa crimes particulares, o MP não pode acusar se o assistente não o tiver feito, nem pode, caso acuse, contrariar substancialmente a acusação formulada pelo assistente (art. 285.º, n.º 3, do CPP). IV - Também Borges de Pinho (Da acção Penal, Almedina, 1991, págs. 17-18 e 36-37, nota 19.ª) defende que nos crimes particulares a constituição de assistente tem de ser logo accionada, condicionando o próprio andamento do processo. V - Ou, nas palavras de Maia Gonçalves, a queixa, a constituição de assistente e a acusação particular são condições de procedibilidade, pois sem elas o MP não tem legitimidade. VI - Assim, pode-se afirmar que: -a legitimidade para promover a acção penal e deduzir acusação é um pressuposto processual; -a acusação do particular só pode ser feita por quem previamente se tenha constituído assistente, como resulta do disposto no art. 50.º, n.º 1, do CPP, que marca os tempos de intervenção do assistente ao longo do processo em que esteja em causa crime particular. VII - Ora, no caso dos autos, em que, por virtude de o MP se ter abstido de acusar relativamente ao crime de ameaças imputado a desconhecidos, o único objecto do processo é um crime particular de injúrias, todo o processado se consumou à revelia da figura processual principal do assistente, sem o imprescindível suporte da legitimidade que só aquele lhe poderia outorgar. Com efeito, apesar de o participante ter requerido a sua constituição como assistente, esta nunca chegou a ser decidida, pelo que o mesmo não tinha, à data em que o fez, legitimidade para deduzir acusação, ainda que se apresentasse como ofendido, que era, e oferecesse condições para ser admitido na qualidade de assistente, as quais indubitavelmente reunia. VIII - E, tal como o primeiro despacho de pronúncia proferido nos autos – que foi anulado por decisão deste STJ para que pudesse ser tomado em consideração o requerimento a pedir a admissão como assistente –, também o segundo tende a “confirmar” uma acusação cuja autoria não provém de um sujeito processual, que não foi formulada por um assistente, uma acusação carecida de legitimidade, tendo a arguida sido pronunciada por factos constantes daquela concreta acusação, sendo certo que, na sequência da admissão do ofendido como assistente, deveria o mesmo ter sido notificado para formular uma acusação, mas agora nas vestes de assistente, ou mesmo para dar por reproduzida a anterior acusação, conferindo-lhe a legitimação de que carecia, ratificando-a, sanando o processado, o que não aconteceu. IX - Resta, pois, concluir que a acusação que enformará o objecto do processo foi deduzida por quem não era assistente, falecendo ao queixoso legitimidade para tal, tratando-se de acto processual praticado a non domino, sendo que só face a uma acusação deduzida por assistente se justificará a abertura de instrução e mais tarde o despacho de pronúncia, por a acusação de assistente constituir conditia sine qua non do prosseguimento do processo. X - A descrita situação configura uma irregularidade, devendo o assistente, por razões de economia e celeridade processual, ser notificado para, querendo, ratificar o processado, confirmando a “acusação” anterior.
Proc. n.º 1606/08 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
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