Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 18-06-2008
 Abertura da instrução Assistente Indícios suficientes Denegação de justiça Bem jurídico protegido Crime específico Dolo directo Despacho de não pronúncia
I -No dizer da lei – art. 286.º, n.º 1, do CPP –, «a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento».
II - Segundo se extrai do n.º 2 do artigo seguinte, o requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas há-de definir o thema a submeter à comprovação judicial sobre a decisão de acusação ou de não acusação. Quando o requerente da instrução é o assistente, o limite tem de ser definido pelos termos em que, segundo o próprio, deveria ter sido deduzida acusação e, consequentemente, não deveria ter sido proferido despacho de arquivamento – no rigor, por um modelo de requerimento que deve ter o conteúdo de uma acusação alternativa, ou, materialmente, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido produzida, fundada nos elementos de prova recolhidos no inquérito, de onde constem os factos que considerar indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do princípio do contraditório –, de acordo com os arts. 308.º e 309.º, ambos desse diploma.
III - Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da infracção, bastando-se com indícios da sua prática, de onde se possa formar a convicção de que existe uma probabilidade razoável de ter sido cometido um crime pelo arguido.
IV - Assim sendo, os indícios probatórios – que não a mera discordância legal, doutrinal ou jurisprudencial – são suficientes sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança – arts. 283.º, n.ºs 1 e 2, e 308.º, n.ºs 1 e 2, daquele diploma legal.
V - Tanto a doutrina como a jurisprudência têm realçado que a «possibilidade razoável» de condenação é mais positiva que negativa: «o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido» ou, noutras palavras, os indícios são suficientes quando existe «uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.» VI -O art. 369.º do CP (denegação de justiça) insere-se no capítulo atinente aos crimes contra a realização da justiça e no título subordinado aos crimes contra o Estado, inculcando que com tal incriminação se visa preferencialmente assegurar o interesse do Estado na boa, límpida e equitativa realização da justiça, apontando no sentido de conferir prevalência e preponderância ao interesse público.
VII - Por isso, tem sido referido que o bem jurídico objecto imediato de tutela é a recta administração da justiça, a defesa dos direitos dos cidadãos e a garantia da pessoa humana, sendo titular imediato de tais interesses o Estado.
VIII - Trata-se de um ilícito que pressupõe uma especial qualidade do agente e a violação de poderes funcionais inerentes ao cargo desempenhado, configurando um crime específico, que mais não é do que um comportamento, activo ou omissivo, de funcionário contra direito. Agir contra direito significa, essencialmente, a contradição da decisão (aqui incluindo o comportamento passivo) com o prescrito pelas normas jurídicas pertinentes – cf. Medina de Seiça, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 615.
IX - O n.º 1 da norma satisfaz-se com o dolo genérico, mas que terá de revestir a modalidade de dolo directo, desinteressando-se aqui a lei dos fins ou motivos do agente: apesar de quando a lei exige o cometimento doloso para a verificação do tipo subjectivo tal significar que quer abranger desde a sua forma mais intensa até à sua modalidade mais fraca, o legislador pode restringir a sua esfera de aplicação através da formulação típica, exigindo uma particular forma de conhecimento ou de vontade do agente, desiderato que é conseguido com a introdução de expressões como conscientemente ou intencionalmente, cingindo-se assim o agir doloso apenas ao dolo directo – é precisamente a situação do art. 369.º, n.º 1, do CP.
X - Tendo em consideração que: -percorrida a motivação de recurso, condensada nas respectivas conclusões, não é narrada qualquer circunstância que seja susceptível, ainda que hipoteticamente, de integrar «decisão contra direito», isto é, o acto de decidir ou a omissão de não decidir, com a consciência de alterar a realidade, de modo que se sabe ser contrário à lei vigente e a cujo cumprimento se está adstrito; -o recorrente não descreve factos criminalmente relevantes; adianta conjecturas subjectivas e interpretações conclusivas, sem nenhum elemento objectivo que as conforte ou que se possam acolher na descrição típica do ilícito; ou seja, entre a matéria indiciária assente (que tem a concordância do recorrente) e a conclusão de que as arguidas não agiram conscientemente contra o direito constituído, não se verifica qualquer incompatibilidade lógica e, menos ainda, qualquer erro notório; -não é a mera divergência de posições processuais que pode fundamentar a imputação de que quem decidiu o fez conscientemente – dolo genérico – contra legem, e muito menos com o propósito – dolo específico – de lesar alguém, ou seja, com animus nocendi; -eventuais discordâncias com o conteúdo das decisões ou com o seu esmero técnico encontram a sua sede própria na respectiva sindicação processual; -a avaliação global dos factos não suporta a conclusão minimamente consistente de que as arguidas, magistradas do MP, agindo nessa qualidade profissional, tenham infringido os deveres a que se encontram vinculadas por força desse munus; impunha-se a prolação de despacho de não pronúncia, razão pela qual não merece censura a decisão recorrida.
Proc. n.º 2050/06 -3.ª Secção Soreto de Barros (relator) Armindo Monteiro Santos Cabral