ACSTJ de 20-02-2007
Direito ao silêncio Tráfico de estupefacientes Correio de droga Medida concreta da pena Suspensão da execução da pena
I -O silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. É que a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida: ao não falar o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento. II - Tem-se por adequada a aplicação de uma pena de 5 anos de prisão (e não de 6 anos, conforme decidiu a 1.ª instância), pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, se a arguida, sem antecedentes criminais, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Caracas, Venezuela, trazendo consigo, ocultadas em esponjas dentro de um porta-fatos, quatro placas de cocaína, com o peso bruto de 2185,33 g. III - A suspensão da execução da pena só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 50.º do CP), circunscrevendo-se estas, de acordo com o art. 40.º do mesmo diploma legal, à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade. É, pois, em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção em causa. IV - Como refere Figueiredo Dias (As consequências jurídicas do crime, 1993, § 518), pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». V - Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. VI - Adverte, porém, o citado Autor (ob. cit. § 520) que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». VII - Colocam-se aqui «não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa». VIII - Para aplicação desta pena de substituição necessário se torna que o julgador se convença de que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido, que foi caso acidental, esporádico, ocasional, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas, não olvidando que a pena de substituição não pode colocar em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos. IX - No caso concreto, não estão reunidas as condições para se formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro da recorrente, não só por razões que radicam nas suas condições pessoais e na sua personalidade, mas também porque não podem ser defraudadas as expectativas comunitárias de reposição/estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, o que é de ter em conta de forma particularmente exigente neste tipo de criminalidade.
Proc. n.º 295/08 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Henriques Gaspar
|