ACSTJ de 14-03-2007
Medida da pena Condenação anterior Erro notório na apreciação da prova Reenvio do processo Suspensão da execução da pena Fundamentação Nulidade da sentença Conhecimento oficioso
I - Como refere Figueiredo Dias (As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 253), a existência de condenações anteriores do agente constitui uma circunstância atinente à sua vida anterior que pode servir para agravar a medida da pena, mas tal só deve suceder na medida em que tais condenações possam ligar-se ao facto praticado e constituir índice de uma culpa mais grave. II - Num caso em que, compulsando as datas dos factos, se verifica que na altura da prática dos factos em apreço nos presentes autos ainda a arguida não tinha sido objecto de condenação, é de concluir que aquela condenação foi indevidamente valorada como factor de medida da pena, o que resultou de lapso manifesto com referência às circunstâncias cronológicas dessa condenação. III - É entendimento consolidado deste STJ o de que o erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido, ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos; ou, no aspecto negativo, que, nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O cerne do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental. IV - Estamos pois, in casu, perante um erro que assume as características da notoriedade em função do art. 410.º do CPP, com as consequências a que alude o art. 426.º do CPP. V - É entendimento unanimemente sufragado por este Tribunal (igualmente com consonância no plano doutrinal) o de que, em caso de determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, tem sempre de se fundamentar especificamente, quer a concessão, quer a denegação da suspensão, sendo que esta última solução, porque mais gravosa para a liberdade do arguido, implica um especial dever de fundamentação. VI - Tal ausência de fundamentação, existindo, implica a nulidade da sentença, porquanto a mesma deixa de se pronunciar sobre questões que devia apreciar (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP), nomeadamente quando o tribunal, colocado perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, não só não fundamentar especificamente a denegação da suspensão, como nem sequer considerar a questão da suspensão da pena. VII - Tal nulidade, mesmo que não arguida, é oficiosamente cognoscível pelo tribunal de recurso (art. 379.º, n.º 2, do CPP). VIII - Assim, é de determinar o reenvio do processo para novo julgamento restrito à não consideração da condenação anterior como factor de medida da pena, devendo a decisão a proferir ter em atenção a necessidade de se pronunciar sobre a suspensão da execução da pena por forma a obviar o cometimento de eventual nulidade.
Proc. n.º 617/07 - 3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Maia Costa
Pires da Graça
Oliveira Mendes (tem voto de vencido, por entender não enfermar o acórdão
recorrido do vício de erro notório na apreciação da prova)
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