ACSTJ de 07-03-2007
Acórdão do tribunal colectivo Cúmulo jurídico Fundamentação Omissão de pronúncia Nulidade da sentença
I - Numa situação em que o acórdão cumulatório recorrido:- apenas invoca os termos do n.º 2 do art. 78.º do CP, para fundamentar a necessidade de «proceder a novo cúmulo jurídico de todas as penas referidas», porém sem mais enunciar as regras legais da punição do concurso ou, sequer, explicitar as operações que as tivessem como pressuposto;- não indica os limites da moldura legal do concurso, nem justifica a inclusão de penas que o arguido tinha sublinhado estarem já cumpridas, e dá como automaticamente revogada a suspensão da execução da pena imposta em determinado processo com a aplicação da pena única (quando a revogação tinha sido decretada naqueles autos);- tendo dado como provado que o arguido «era consumidor de heroína, consumindo drogas desde os dezanove anos», nada expressamente conclui sobre as consequências de tal consumo nas suas capacidades cognitivas ou volitivas, ou sobre a hipotética influência de tal situação na etiologia dos crimes (na esmagadora maioria, crimes contra o património) – baseando aqui, eventualmente, a linha mestra de relação ou conexão das condutas delituosas – ou, enfim, na definição de traços relevantes (permanentes?) da personalidade do arguido, com projecção na citada conduta delituosa;- não extrai consequência de ter dado como provado que, antes de preso, «o arguido vivia com a mãe e irmãos e não trabalhava» e de, agora, «no estabelecimento prisional», ter «frequentado dois cursos» e «trabalhar como responsável pela biblioteca», restando sem significado explícito uma situação que, na economia da decisão, poderia indiciariamente relevar em termos de juízo sobre a capacidade de reintegração do agente na sociedade;- apesar de fechar com a proposição tabelar de que «tudo ponderado, considerando o alegado em audiência, a personalidade do arguido e os demais elementos dos autos, operando o cúmulo destas penas, decide-se condenar o arguido na pena única de oito anos de prisão», a decisão nada diz sobre o conteúdo do que terá sido «alegado em audiência» ou que «demais elementos dos autos» foram tidos em consideração, ou em que concretos termos foi efectivamente considerada a personalidade do arguido e, bem assim, as linhas de raciocínio que conduziram – e sustentariam – aquela decisão;fica-se sem se saber se existe alguma conexão entre a prática dos vários crimes, qual a concreta e objectiva gravidade de cada um, quais os fins e motivos das diversas condutas, se os crimes têm ou não relação com particulares e/ou ocasionais condições pessoais do arguido (quais?) ou se entroncam (e porquê) em alguma especial propensão para a delinquência, de modo a poder aferir-se, depois, o grau de ilicitude do todo e da culpa global, ou seja, o texto da decisão, por si, não demonstra que, na determinação da medida da pena única, tenham sido considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – o mesmo é dizer que não está documentado que o julgamento tenha procedido à especial ponderação a que obriga a 2.ª parte do n.º 1 do art. 77.º do CP. II - Tal omissão conduz a que não possa manter-se a decisão (cf. arts. 374.º, n.ºs 2 e 3, al. a), 379.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP, e 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP), que se declara nula, devendo ser proferida outra (se possível, pelos mesmos juízes), isenta dos apontados vícios.
Proc. n.º 1928/06 - 3.ª Secção
Soreto de Barros (relator)
Armindo Monteiro
Oliveira Mendes
Maia Costa
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