ACSTJ de 07-03-2007
Resistência e coacção sobre funcionário Bem jurídico protegido Crime de execução vinculada Medida concreta da pena Responsabilidade civil emergente de crime Pedido de indemnização civil Indemnização
I - Com a incriminação do tipo de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º do CP, protege-se o próprio funcionário no exercício das suas funções, e por causa destas, e, paralelamente, por via indirecta, o interesse público na prossecução das suas funções, com a autonomia funcional do Estado. II - Tratando-se de crime de execução vinculada, necessário se torna a prática de violência – física ou psíquica – ou ameaça grave dirigida ao funcionário, obstando à realização do acto pretendido ou impondo actuação contrária ao dever do funcionário. III - Resultando do acervo de factos dados como provados que:- o arguido era recluso no EP de…, aí desempenhando funções de guarda o ofendido e demandante cível, JR;- JR, no dia 08-04-2004, foi abordado pelo arguido no sentido de aquele lhe restituir material eléctrico – duas televisões, uma aparelhagem e uma playstation – apreendido, conjuntamente com droga, pela PJ, no dia anterior, numa busca à sua cela;- o arguido foi informado da impossibilidade de satisfação do pedido, circunstância que motivou azeda discussão entre ambos;- sendo visível o estado de exaltação do arguido, o ofendido reclamou a presença dos guardas prisionais OC e LP, acompanhando-o os três à cela;- o ofendido JR ao entrar na cela, permanecendo os dois restantes guardas no exterior, constatou que o arguido aí detinha duas mesas e duas cadeiras em contrário do regulamento prisional;- achando-se no exercício das suas funções, o ofendido começou a retirar da cela aquele material;- em estado de exaltação, o arguido, para evitar o cumprimento das funções do ofendido, pegou, de repente, numa cadeira e, achando-se “nas costas” do ofendido, desferiu-lhe com ela várias pancadas, que o atingiram, pelo corpo, mas com especial incidência na cabeça, causando-lhe lesões corporais determinantes de doença, com incapacidade para o trabalho período;- ao vê-lo ferido, o arguido encetou uma fuga descontrolada pelos corredores do EP, seguindo-lhe no encalço o subchefe AB, rogando-lhe que parasse e voltasse à cela, no que não foi obedecido, pelo que solicitou o auxílio do guarda LC;- o arguido ao chegar à Ala C sentiu-se “encurralado” pelo subchefe AB, que, de seguida, agarrou, empurrou e encostou à parede, largando-o logo que viu o guarda LC acorrer, não sem que arremessasse um contentor de lixo contra este último, sem, contudo, o atingir, a fim de evitar ser conduzido à cela;- o arguido conhecia todos os supracitados funcionários prisionais, ali devidamente uniformizados e no exercício das respectivas funções de manutenção da ordem no EP, obstando, de forma livre, deliberada e consciente, ao cumprimento das ordens e tarefas que cabiam ao ofendido JR;- retirado da cela, foi o ofendido JR transportado às urgências dos Hospitais da Universidade de Coimbra onde recebeu assistência médica [o ofendido sofreu várias lesões, nomeadamente, “ferimento lacero-contuso com 2 cm de comprimento na linha média da região frontal; ferimento lacero-contuso na região molar direita, suturado, com 5 cm; no 4.° dedo da mão esquerda, na face posterior ao terço médio do antebraço esquerdo e equimose abrangendo a região molar e a pálpebra inferior direita”; para além das lesões físicas e “sequelas dolorosas a nível das articulações interfalangianas”, ficou o ofendido fortemente abalado psiquicamente pelo que esteve de baixa médica e com tratamento adequado a partir do dia 08-04-2004; esteve com baixa por incapacidade, que foi confirmada como incapacidade permanente absoluta, até 07-03-2006, data em que retornou ao serviço com 10% de incapacidade permanente parcial, após decisão da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, o ofendido passou, ainda, a sofrer de um síndrome depressivo reactivo caracterizado por uma descompensação psicológica, traduzida por apreensão, tristeza, angústia intensa, insónia, astenia, anorexia, tendência para o isolamento, insegurança, que de um modo crítico procura combater, intolerância a ambientes demasiado ruidosos, falhas intensas da capacidade para se concentrar e memorizar, diminuição do apetite e da libido, tonturas e vertigens e variações diurnas do humor com aumento significativo dos impulsos, acompanhados por diminuição drástica do limiar para a agressividade, que só a muito custo tem conseguido combater, tendo sido medicado com psicofármacos, antidepressivos e tranquilizantes, que não operaram qualquer mudança significativa do quadro clínico];- do registo criminal do arguido consta uma série de condenações por crimes de dano, detenção ilegal de arma, roubo a estabelecimento de crédito, falsificação de documento, emissão de cheque sem provisão (4), detenção de armas proibidas, roubos (3), sequestro (4), tráfico de estupefacientes e passagem de moeda falsa, dispersa ao longo de 4 anos, o que demonstra dificuldade em se fidelizar ao direito, manter conduta lícita, colocando preocupações acrescidas de reinserção social, de prevenção especial, uma vez que as condenações anteriores não lhe serviram de emenda cívica;mostra-se adequada a pena concreta, fixada pela 1.ª instância, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 347.º do CP, de 3 anos de prisão. IV - A indemnização de perdas e danos a arbitrar em processo penal rege-se pelas normas do direito civil, nos termos do art. 129.º do CP. V - E a efectivação dessa indemnização é a que tem por fonte ou causa um facto ilícito, com exclusão total da responsabilidade contratual e da responsabilidade por factos lícitos contemplados por lei. O pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal há-de ter por causa de pedir os mesmos factos – o direito subjectivo lesado pelo crime – que são, também, causa da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado, o que não impede que, por razões de economia, celeridade processual e evitabilidade de julgados contraditórios, mesmo em caso de absolvição, a questão cível deva ser julgada no processo criminal, doutrina Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, I, pág. 177. VI - No caso em apreço, os factos penalmente relevantes decorrem sob o signo da ofensa intencional à integridade física e moral do demandante na sua refracção sobre o direito ao repouso e ao sossego individual, indispensável ao usufruir da saúde, direito fundamental dos cidadãos, que a lei protege, tanto pela via da lei infraconstitucional – art. 70.º do CC – como pela CRP, mostrando-se criteriosa, justa e sem merecer reparo a indemnização de € 5000, por danos não patrimoniais, arbitrada pela 1.ª instância.
Proc. n.º 4596/06 - 3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Oliveira Mendes
Maia Costa
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